Li recentemente na Info do mês de dezembro/2009 um pequeno texto sobre “O Direito de Esquecer”. O texto falava sobre um livro de um escritor alemão cahamado Viktor Mayer-Schönberger, intitulado “Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age“.
A idéia toda, que achei super oportuna, é que a Internet serve como um arquivo vigilante de tudo o que fazemos. Se escrevemos um texto horrível há 10 anos atrás, ele ainda estará aqui, para desespero do escritor, que nem poderá ocultar ou renegar seu trabalho.
O escritor, assim, receia que acabemos por refrear a nossa criatividade com medo de uma censura eterna, algo que, de fato, parece insuportável. Que nos tornemos pessoas cautelosas demais, frias demais, vazias demais, sem coragem para ousar e errar.
Fico pensando, assim, na classe dos políticos. Acho que nenhum deles escreveu um blog, e poucos devem fazê-lo hoje, pelo menos não de próprio punho ou sobre assuntos diversos. Claro, políticos vivem de aparências. Apresentam-se como seres humanos desprovidos das nossas características mundanas – irritação, raiva, fala coloquial, apego a assuntos amenos, etc. Políticos não devem ir ao banheiro – apesar de fazerem muita merda. Políticos não devem assoar o nariz. Não se vê políticos falando palavrões ou reclamando do tamanho da fila.
Não, decididamente, políticos não escrevem blogs.
Já os que escrevem, nós outros, não ingressamos na política. Deveríamos, até pela atenção que damos ao desnecessário e, com igual fervor, ao necessário, às coisas que nos são diretas e caras. Políticos, por certo, não ligam para call centers, por exemplo.
Mas, venhamos e convenhamos: blogueiros nunca seriam eleitos coisa alguma. Imaginem se alguém votaria em mim, por mais capaz que minha mãe me considere, após ler qualquer texto meu desse blog. Esse post aqui, dentre tantos, por exemplo. Imaginem isso exposto contra mim no horário eleitoral gratuito. Perderia eu todos os poucos votos que teria caso fosse candidato a alguma coisa.
Esse é o nosso problema: nossa hipocrisia em reconhecer que todos usamos de nosso verniz social. Somos todos sorriso ao sairmos de casa, embora, em nossa solidão, tenhamos todos os mesmos problemas: às vezes saco cheio de tudo, às vezes chateação com as contas, às vezes soltamos nossos palavrões. Mas temos que manter postura sacrossanta diante do resto das pessoas.
Pergunto eu aos antropólogos: será que a humanidade sempre foi assim? Quando será que viramos seres duais – o ser individual e o ser social? E quando foi que essa dualidade deixou de ser uma circunstância e passou a ser uma hipocrisia? Quando é que começamos a condenar o comportamento de um político, por exemplo, quando ele saiu com uma secretária, ao invés de prestarmos atenção na sua atuação no exercício do mandato?
Fico a pensar que, apesar da minha total descrença de que esse mundo seja administrável ou tenha conserto, imagino que se desejasse, por exemplo, ser prefeito de Vitória da Conquista, não bastaria que eu tentasse mostrar minhas credenciais acadêmicas/sociais (seja lá o que isso queira dizer)/profissionais. Eu teria que dizer o que realmente penso, e isso certamente me desqualificaria, já que, por suposto, imagino que não votariam em alguém que lava os pratos, que gosta de computadores, que acredita em que um adversário pode ser honesto e um aliado corrupto, fala com a boca cheia, etc.
Enfim, concordo com meu amigo do andar de cima, que infelizmente não atualiza mais seu blog: deveria haver sorteio na administração pública. Os políticos – ah, esses são todos iguais. Mas humanos, por definição, duvido que sejam. Eles não escrevem blog, e não se pode pegá-los nas coisinhas pequenas de nossa vida besta, nem reprovar neles aquilo que, talvez, reprovamos em nós mesmos.
Mas, well, se quiser um conselho, procure saber se seu candidato é de carne e osso. Se usa uma cedilha quando deveria usar dois esses. Se esquece as chaves do carro. Se dá um arrotinho depois de uma coca-cola gelada. Caramba, depois de uma lata de cerveja! Eu, de minha parte, não voto mais em ET’s.
26/12/2009 em 11:07
Há tempos não lia o seu blog, mas quando o fiz não postei nada, afinal, da última vez fui identificado pelo autor do livro que comentei aqui neste ManéBlog. E, embora não seja, antropólogo como sabes, porém a sua pergunta é no mínimo curiosa. José Saramago, por exemplo, no Ensaio sobre a cegueira, diz que somos metade ruindade, metade indiferença. Mas, para uma passagem em revista à sua provocação, creio que uma boa leitura seria a leitura de ‘Péricles, o inventor da democracia’, poderoso líder do século de ouro ateniense, séc a.C. O livro dá uma bela medida sobre a verdade como invenção. Para mim, a questão principal é esta: em nosso ambiente contemporâneo a "verdade" está associada a práticas sociais vinculadas às noções de poder… Bom… Chega, isso já está ficando muito sociologês! Vamos marcar uma cerveja, lá a gente filosofa!
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