As perguntas:
1 – Você mataria por fé?
2 – Você mataria alguém que publicasse uma charge do seu messias/profeta/salvador/D–s, demonizando-o?
3 – Você aceita que um tema tão delicado como sua convicção religiosa seja usado em nome da arte?
4 – Você acredita em liberdade de expressão absoluta?
5 – Você crê na liberdade intelectual?
Acho que essas perguntas ajudam a entender o problema. Eu sempre me senti incomodado quando utilizam a imagem de Jesus para algo profano. Eu escolhi ser cristão, e, de alguma forma, o “objeto” da minha crença deveria ser respeitado. Se precisasse ser citado, retratado, ou algo assim, que fosse em nome de uma causa nobre. Como quando fizeram uma representação de Jesus com a raça negra (a causa era cristã, e a proposta era super justa). Afinal, o importante aqui é o Jesus espiritual, sua mensagem, sua filosofia, seu amor.
Porém se retratassem Jesus em conotação profana, por exemplo, como um bêbado, isso iria me ferir, porque Ele é referência de minha vida. Não, eu não protestaria. Eu não mataria. Eu ignoraria, boicotaria, faria campanha contra, tudo dentro da doutrina cristã, que incentiva o diálogo, a paz e a concórdia. Cristianismo é uma coisa, o que fazem em nome dele é outra. Se me perseguissem pela minha religião, eu mataria, porque a liberdade de culto pra mim é sagrada, compatível com a sociedade que eu escolhi. É o modo de vida que eu defendo. Há conflito quando meu modo de vida prejudica a vida de outros. Mas não creio que minha crença possa incomodar alguém.
Pois o mesmo raciocínio aplico em relação às charges dinamarquesas. Elas podem ser interpretadas como o retrato do uso da religião para motivações nada religiosas, mas ninguém duvida que toda generalização é burra, inconveniente e ofensiva. Eu, se fosse muçulmano, estaria chateado. Mas não agrediria ninguém por isso. Acho que há aqui o benefício da dúvida, que deve ser dado ao chargista. Afinal, o terrorismo com desculpa religiosa é um fato, e talvez tenha sido isso que ele tenha querido retratar. E, assim, pra mim, a causa seria, apesar de mau gosto, justa. E o que fazem muitas das vítimas, embora, talvez, minoria? Incendeiam embaixadas, ameaçam cidadãos que nada tem a ver com situação.
Eu não acredito em religião que pregue o mal para as pessoas. Não que a religião tenha que se amoldar ao homem, tirando de seus dogmas aquilo que pareça inconveniente. Mas é que não acredito num Ser Supremo que pregue a guerra, pois seria antítese de si mesmo. Conheço pouco do Islã, mas do pouco que conheci, é uma religião cujos valores morais são tão nobres quanto qualquer outra religião séria. Conheci muçulmanos radicais, e outros que possuiam interpretações não tão exacerbadas.
Enfim, se tivessem retratado o Profeta em um contexto irreal, que o ofendesse (assim como no contexto que falei acima), a liberdade de expressão teria extrapolado o limite do razoável. Mas a charge tinha um contexto, embora chocante. E abrir um precedente para censurar a crítica a esse contexto me parece perigoso demais. E me parece que o choque das civilizações está realmente presente: não entendemos eles, e eles não nos entendem.
Mas também, o ocidente balalizou a crença religiosa, transformando-a em outra commodity qualquer, passível de apreensão e uso cosmético. Fizeram um dia desses representação da Virgem Maria (à qual eu, como Protestante, tenho apenas respeito e admiração, mas não adoração) com excrementos de elefante. Quem tem o direito de dizer que isso não pode ser feito? E quem pode dizer que isso não agride ao sentimento religioso de algumas pessoas?
A crença em um mundo melhor, em uma sociedade mais justa, em coisas como a paz, a liberdade, a felicidade, é tão legítima e intangível quanto a crença religiosa. E isso nem sempre as pessoas descrentes entendem: o que um religioso procura, na verdade, é um mundo que faça sentido. E, convenhamos, sem a crença em algo intangível, a vida é uma completa perda de tempo, inútil, despropositada, vã.