FTC: A omissão (ou “Crônicas de uma morte anunciada”)

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A situação era conhecida, todo mundo sabia, e ninguém fazia nada: sempre que algum professor da FTC era demitido, tinha que mover processo judicial para receber os valores devidos a título de FGTS.

Até aí, nada de anormal: a Justiça está aí pra isso, e dela se utilizar para receber parcela trabalhista não-paga é absolutamente corriqueiro.

O problema começa quando se nota que TODOS os funcionários da FTC, ao serem demitidos tinham que percorrer idêntico caminho, e isso desde 2006 (provavelmente até antes disso, mas a memória não me ajuda aqui).

Pergunta: como foi possível que, durante esse tempo todo, essa situação perdurasse sem que ninguém questionasse o que estaria acontecendo?

Sim, porque, ao que todo o resto indicava, a FTC seria uma instituição em franco crescimento: suas filiais recrutavam cada vez mais alunos, a publicidade da empresa era onipresente, os alunos costumavam adiantar os pagamentos semestrais através de cheques.

Porém, insistentemente, a instituição, apesar do estilo de vida de ostentação e luxo de alguns dos seus proprietários (muito se falou do apartamento luxuoso do Sr. Gervásio Oliveira, sócio da instituição), parecia sangrar de propósito.

Algo que era de conhecimento de todos era o fato de que, alguns anos atrás, a empresa começou a adotar a tática de não mais demitir seus funcionários – esperava que estes “caíssem de maduro”. Ou seja: não davam mais horários de aula para alguns professores, ou simplesmente comunicavam a demissão de forma informal, a fim de “cavarem” uma briga judicial que lhes permitissem prorrogar o pagamento das verbas rescisórias. Era comum o funcionário de RH dizer ao empregado demitido “isso só pagamos na justiça”, mesmo se tratando de verba corriqueira como aquela do FGTS.

Sendo a FTC uma empresa autorizada pelo Ministério da Educação, prestando, assim, serviço público (Educação), sempre foi estranha a grande mudança de personalidade jurídica. Primeiro, SOMESB. Depois, IMES. Tudo isso dificultava a execução das dívidas trabalhistas. Depois, engenhoso esquema financeiro foi montado para que o dinheiro que ingressava na faculdade (oriundo das mensalidades dos alunos) não fosse visto pela Justiça: a sua folha de pagamento foi, aparentemente, terceirizada! Ao invés do dinheiro entrar direto na conta da FTC, os valores pagos pelos alunos eram depositados na conta de uma empresa sediada em São Paulo, fora, portanto, do alcance das penhoras online da Justiça.

Nesse meio-tempo, as notícias de mandados de prisão contra o Sr. Gervásio Oliveira pipocaram nos noticiários, mas a omissão da grande imprensa, normalmente destinatária da publicidade ostensiva da FTC, causa espanto.

Para efeito de comparação, quando a FAINOR, de Vitória da Conquista, proporcionalmente bem menor do que a FTC, passou por problemas financeiros, a comoção social foi enorme, a ponto de que uma ampla negociação foi feita com professores que deixaram a instituição, sendo que, até onde se sabe, todos os acordos foram devidamente honrados. Por que só agora os professores da FTC entraram em greve? Por que não houve nenhuma comoção antes?

Perguntas, então, que exigem uma resposta:

– onde está o MEC, que, após sucessivas inspeções na FTC, após sucessivos rebaixamentos nas notas dos cursos da instituição, após sucessivos cortes no número de vagas de alguns cursos, nunca pareceu atentar para o problema do FGTS?

– onde está o Ministério Público do Trabalho, que parece nunca ter procurado verificar a precarização das relações de trabalho de uma faculdade que não é qualquer uma, mas talvez a maior faculdade de ensino privado do Nordeste?

– onde está a Justiça do Trabalho, que, a despeito de centenas de reclamações trabalhistas, até recentemente, chegou a recusar o pedido de advogado, de enviar o caso ao MPT (o que talvez responda em parte a questão anterior) para que este investigasse a situação, sabendo que se tratava de empresa de grande porte que, curiosamente, tinha apenas centavos em suas contas-correntes?

– onde está o Ministério do Trabalho?

– onde estavam os professores que hoje fazem greve, quando assistiam a seus colegas serem demitidos e viam estes terem que brigar na justiça para receberem o FGTS?

– onde estavam os alunos, ao verem as notas de seus cursos caírem, e ao tomarem conhecimento de que seus mestres eram diariamente vilipendiados no que se refere aos seus direitos trabalhistas mais indiscutíveis?

– onde estava a imprensa, que parece nunca ter visto nada?

Quem acompanhava judicialmente a questão, compreendia que havia (e há) uma estrutura jurídica bem montada com o propósito de enriquecimento dos donos da FTC às custas do suado trabalho de seus funcionários. Não se podia compreender como uma instituição em franco investimento podia ser tão omissa quanto aos pagamentos de seus professores. A coisa era deliberada. Mas, curiosamente, era tratada de forma individual: cada professor que matasse seu leão quando chegasse a hora.

E, pior: havia um valor depositado na Justiça Estadual, referente ao Prouni, em favor da FTC, não liberado porque parece ter havido irregularidade nessas bolsas.

Não quero aqui criticar o ensino privado, mas perguntar não ofende: como pode uma instituição de ensino, cujo objetivo primordial é formar profissionais éticos, preparados para o mercado de trabalho, ou, dizendo de outra forma, cujo objetivo é educar, pode se comportar de uma forma tão mesquinha, tão aviltante, tão deplorável?

Lembro-me de professores-doutores, usados de forma descartável, que se mataram para aprovar determinados cursos e depois foram praticamente chutados da instituição. Lembro-me de árduos defensores da FTC, inclusive diretores, que depois tiveram que entrar na fila para tentar receber algum dinheiro que caísse por acidente dos seus proprietários.

Preferia que a FTC não caísse de podre. Preferia que as pessoas acordassem, e que a instituição fosse publicamente confrontada, e não incensada, como se fossem respeitáveis cidadãos ou próspera empresa. Gostaria que seus donos tivessem que enfrentar uma cela fétida. Incomoda-me não tanto os crimes pelos quais alguns são investigados – “operação jaleco branco”, “octopus” e outros nomes. Incomoda-me que seu enriquecimento tenha ocorrido através da espoliação sistemática de professores, profissão que merece respeito, e não funcionário de RH mandando “buscar na justiça”.

 

P.S. – Não posso deixar de fazer uma homenagem anônima e silenciosa a determinado Procurador da República e a determinado Juiz Federal, que não se reduziram à burocracia das funções que ocupam, mas que promoveram as devidas diligências a fim de defenderem os interesses dos alunos em determinado processo contra a FTC. Queria que a Justiça do Trabalho fosse igualmente diligente. Não foi, e não é – pelo menos até onde vi.

Autor: francis

the guy who writes here... :D

11 Comments

  1. Creio que a mobilização ganha sentido, na esfera privada, quando todos (digo, todos), percebem o quanto estão sendo esmagados. Difícil precisar se isso um dia vai acontecer. As relações de trabalho são marcadas no ingresso, e cá entre nós, essa do FGTS foi também anunciada, na véspera.

    Torço por milagres… é natal.

  2. É preciso dizer algo mais? Creio, sinceramente, que não…

  3. Um grande vergonha tudo isso!

  4. Rapaz, não sabia dessa história não! Um absurdo! É uma prova de que educação não é levado a sério pelo governo – que deveria fiscalizar essas instituições que recebem verbas do Prouni.

  5. É com grande tristeza e indignação como aluno da referida instituição ver professores sérios e dignos tratados de uma maneira desrrespeitosa , assim tambem como os “alunos” , que incansávelmente lutam e relutam por um devido respeito da mesma e são tratados como animais (desculpe o termo) , apoio e sempre apoiei uma devida e séria paralização geral , mais existem ainda “fracos” que tem medo de supostas perseguições. Diante desta fazer o que?

  6. Pingback: FTC: A omissão (ou “Crônicas de uma morte anunciada”)* | FTC-Boicote

  7. POR ISSO QUE EU QUEBREI TUDO LA DENTRO MIM DEMITIU E DEPOIS MANDOU EU PROCURAR A JUSTIÇA QUE NÃO TINHA DINHEIRO PARA PAGAR JUSTIÇA FIZ COM OS MEUS PROPRIOS PUNHOS NA MESMA DA HORA PAGARAM TUDO QUE TINHA DIREITO
    EU ERA FISCAL DE CAMPO DESSA MERDA FTC CAMBADA DE LADRÃO

  8. ManéBlog.

    Muito interessante todos os seus questionamentos. Principalmente, quando você questiona: “onde estavam os alunos, ao verem as notas de seus cursos caírem, e ao tomarem conhecimento de que seus mestres eram diariamente vilipendiados no que se refere aos seus direitos trabalhistas mais indiscutíveis?” Já passou pela sua cabeça de que eles alunos não passavam de um grito surdo? Será que você acha que alunos que pagam tão caro por um curso na FTC estavam calados aceitando os acontecimentos como se nada tivesse acontecendo com eles?

    Acho que este é um grande momento, e uma grande oportunidade de refletir, analisar e avaliar. Principalmente todos aqueles que criticaram a iniciativa dos estudantes de Medicina de levar a situação da FTC a conhecimento da sociedade, fazendo uma manifestação pacífica em via publica, para que os seus gritos surdos intramuros não continuassem abafados pela ingerência e pelo descaso do MEC que também deveria está fiscalizando, já que a faculdade está sendo avaliada e as notas rebaixadas.

    Mas outro detalhe gostaria de destacar. Para todos aqueles que criticaram a ação pacífica dos alunos de Medicina, e que aplaudiram a ação truculenta da policia de choque agredindo alunos com bombas de efeito moral, mas que também levam a lesões físicas; e tiros com bolas de borracha, que apesar de ser considerado “arma não letal”, pode também provocar a morte por um reflexo vago-vagal, a depender do local da lesão; referindo que se tratava de baderna de “patricinhas” e “mauricinhos” filhinhos de papai rico e que a sociedade não tinha nada a ver com isso. Deixo em destaque as suas palavras: “FTC uma empresa autorizada pelo Ministério da Educação, prestando, assim, SERVIÇO PÚBLICO (Educação)…”

  9. Prezada Maria do Socorro,

    Agradeço seu comentário, e concordo com ele.
    Sim, infelizmente é a primeira vez que vejo os alunos se manifestarem, o que é de todo louvável. Mas veja, a situação da FTC alguns anos atrás era a seguinte: os professores com boa titulação eram usados no processo de reconhecimento do curso e “fritados” após tal reconhecimento, ou mesmo após as visitas do MEC. Não recebiam seus direitos trabalhistas e eram forçados a entrar na justiça alegando demissão indireta.
    O que me pergunto em relação aos alunos é que essa situação, com a degradação continuada na qualidade do corpo docente, não era exatamente oculta. Ocorria às claras. Os professores, provavelmente pela situação imediata (precisavam dos seus salários e do emprego) acabavam por se omitir. E o desvio de recursos da instituição continuava através de manobras sofisticadas. Vale lembrar que a justiça não encontrava bens nas execuções dos processos em época de plena expansão da rede.
    A vilipendização do ensino ocorria porque toda a postura era imediatista: os professores precisavam dos seus salários (ainda que seu FGTS não fosse depositado), os alunos queriam seus diplomas (ainda que a qualidade do ensino estivesse sendo deteriorada gradualmente) e a Justiça, o MEC e a sociedade pareciam não enxergar que havia um método de expropriação do trabalho dos professores em prol dos $ócio$ da empresa.
    Acho que os jovens devem protestar. Mas temo que, no caso da FTC, foi a própria omissão destes que contribuiu para essa situação.

  10. Olá, Realmente uma morte anunciada. Sou ex-aluno de
    Medicina da FTC, fiz parte da primeira turma. Não concordo com o
    que foi dito por você sobre os alunos. Fiz parte do diretório
    acadêmico por quase metade do curso, participamos de greves em
    apoio aos funcionários que estavam sem receber os salários, com
    mais de 80% de adesão e comparecimento nas reuniões. Em uma delas,
    conseguimos adquirir mais material e livros para o curso. Chegamos
    a nos mobilizarmos na frente da SOMESB por causa de aumento nas
    mensalidades. Entre outras participações em movimentos sociais por
    Salvador. Sempre abafado pela mídia. Venho aqui agradecer os
    excelentes professores que tive e que estão sendo tratados de forma
    vil.

  11. Só hoje li essa matéria e fico triste em dizer que nada mudou de lá para cá. Fui demitida da FTC essa semana e terei que entrar na justiça, recomenda pelo funcionário do RH. Nós, os demitidos da ftc precisamos nos unir e pressionar o mec e a justiça do trabalho. isso é uma vergonha para a justiça do trabalho brasileira.

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