Ao ler esse artigo, com o qual concordo em termos, do Dr. Douglas Fischer, fiquei ainda mais convencido de que, no Brasil, é a lei, e não o bom senso, cultura ou boa-fé que arbitra nossa conduta.
O artigo fala a respeito da tendência jurisprudencial de não se considerar contrabando (descaminho, na linguagem jurídica) a mera entrada no país de mercadoria sem pagamento de impostos, sendo necessária, antes da configuração do crime, devido processo legal. Eu confesso que, inicialmente, concordei com a posição do articulista, entendendo que a interpretação do STF acaba por tornar ineficaz a proteção legal aos cofres públicos.
Massssss, pensando melhor, PQP! Será que o Brasil é o único país do mundo que trata seus viajantes como criminosos importadores ilegais em potencial, com limites draconianos de cotas? Acho que nem a China faz isso (se bem que da China espera-se tudo). E, para não falar só dos viajantes, qual país do mundo cobra mais de 60% em tributos de importação (sim, somando-se II, IPI, COFINS e ICMS, fica perto disso, quando não passa).
O artigo mencionado acima fala que a proteção é não só dos cofres públicos, mas também do direito concorrencial e, sem dúvida, do aspecto parafiscal dos impostos de importação. Do ponto de vista jurídico, irretorquível, e é claro que não vou aqui advogar que a lei deve ser descumprida porque direcionada a uma política fiscal incoerente. Por isso, acaba aqui a argumentação jurídica.
Falemos, entretanto, dessa política fiscal absurda, em nome da proteção de uma indústria ineficiente que, mesmo com tanta proteção fiscal, sem falar na proteção passada da reserva de mercado, não consegue ser competitiva. Sei que parece conversa típica de reacionário da classe média essa reclamação contra a carga tributária do Brasil. Mas analisemos a questão sob alguns prismas:
1 – se a proteção não torna a indústria eficiente, deve-se ceder à chantagem do empresariado quando mencionam o número de empregos?
2 – o Brasil quer ter indústria competitiva, ou quer ter apenas indústria?
3 – porque países BEM mais desenvolvidos que o Brasil não possuem impostos tão altos assim?
Aí vem o problema: nenhum país desenvolvido cria tantos entraves à importação como o Brasil. No entanto, para sustentar toda essa ineficiência, cria-se uma política criminalizante, que drena esforços administrativos para a punição de sacoleiros. Quantas vezes, como advogado dativo, tive que ir à Justiça Federal defender alguém que teve sua mercadoria apreendida?
O problema é esse: em nome da efetividade, nosso julgamento acaba buscando “jeitinhos” jurídicos para justificar a não criminalização, tal como medida do MP, mencionada no artigo acima, de considerar descaminho de menos de R$20.000,00 “insignificante”. Ou seja: será que isso veio da cabeça de um penalista simpático ao garantismo, ou é oriunda de uma posição de administrador pragmático que sabe que é impossível dar conta do trabalho de acusar tanto contrabandista?
Ou seja: porque o Brasil sustenta posições draconianas, incompatíveis com a lógica do dia-a-dia, acaba não conseguindo dar efetividade a tais posições e estimula as interpretações jurídicas flexivas ao extremo apenas para dar legitimidade ao não cumprimento do dever.
Enquanto isso, danem-se todos: o consumidor brasileiro, porque não tem acesso a bens de consumo a preços competitivos, a nação, que não consegue competir industrialmente, destinado a ser exportador de commodities por causa de uma indústria incompetente e mimada que só consegue sobreviver dentro do curral estatal e o Poder Judiciário, que tem que ficar enfrentando esse tipo de nhénhénhé.
P.S. Apenas à guisa de informação, percebi que, na Noruega, quase sempre se paga imposto em relação a mercadorias estrangeiras. O limite da isenção, pelo correio, é de cerca de R$60 (menor que a brasileira, de US$50). Mas o imposto aqui é apenas o VAT, de 25%. E isso em um Estado de Bem-Estar Social, com todos os benefícios. Claro, a Noruega é uma exceção, quer pelo bem-estar social, quer pelos impostos. Vamos à Suiça: o VAT é de 7,6%. E é o que se paga ao se importar. Agora vamos ao Brasil, onde a importação simplificada significa pagar 60% de imposto… ONDE isso se justifica???