(Aos dois ou três que ainda aparecem por aqui, obrigado pelo estímulo e por me lembrar que tenho um blog! (sim, S., você sabe que falo de você… :*))
E aqui estou eu em minha cidade natal novamente. Já se passaram quase um ano e meio desde que aqui estive pela última vez, e sempre ouço a mesma pergunta, pergunta que não me cansa porque nela penso sempre; quer dizer, não na pergunta em si, mas em algumas reflexões paralelas a ela. A pergunta é: “você tem vontade de voltar ao Brasil?”, ou “você vai voltar ao Brasil?”, ou ainda outra variante, aquela que diz “você sente falta do Brasil?”.
Eu não costumo depreciar o Brasil porque no fundo sempre tive certa reserva, para não dizer outra coisa, em relação àquele emigrante que desdenha do seu país e enaltece (ou desfaz) do país que o acolheu. Portanto, nunca achei que a resposta para essas perguntas fosse simples. Minha própria noção do que é o Brasil é complicada, e já volto a esse tópico.
Devo dizer, entretanto, que essa polarização política do Brasil, juntamente com a presente crise, tornam fácil não querer voltar, pelo menos não nesse momento. Não que me passasse antes, mas principalmente por outros motivos que não o país em si, mas sim em razão dos caminhos que escolhi para mim. Mas hoje, com o país polarizado, onde amigos brigam em razão de preferências políticas, onde não há diálogo porque parece que as nuances das questões parecem no meio do barulho que fazem, não me sinto exatamente tentado.
Nesses tempos difíceis, faltando com os amigos pelo telefone, quando me desencorajavam pelo telefone a sequer cogitar voltar, eu tentava enumerar as vantagens de morar no Brasil. O problema é que, para tudo que eu dizia, vinha um argumento contrário. Não, não se trata das amizades (outra pergunta recorrente é se as amizades daqui são mais fortes, quentes, do que as de lá – eu diria que são diferentes, mas não mais fortes ou mais fracas). Não, também não é o tal calor humano, ou o clima, ou a comida. Até que eu confessei algo que descobri recentemente: eu não rio no estrangeiro como rio aqui. Um amigo retrucou-me, e disse que é porque, no Brasil, ri-se dos outros. É verdade, talvez, mas ainda assim, aqui o riso me é fácil. Vai ver é porque aqui eu entendo a piada logo…
Eu não sei definir o que é o Brasil para mim, e porque eu deveria sentir falta dele, tirando o óbvio família-amigos-clima. E fiquei a pensar sobre o que ainda me liga a esse país que tanto desgosto nos dá, que nos maltrata, que nos, perdão pela força da palavra, mas que nos envergonha. Algum bairrista poderia dizer que temos as melhores comidas, as melhores praias, a natureza mais linda, etc. Eu poderia discordar, mas mesmo que fosse verdade, descobri a razão pela qual sinto falta daqui, a razão pela qual sempre amarei esse lugar, a razão pela qual sempre me voltarei para cá, tal como se fosse uma Meca: é que aquilo que eu sou foi forjado aqui.
Quem eu sou foi formado em uma cidade poeirenta, fria à noite, escaldante durante o dia. Aquilo em que me tornei alimentava-se de feijão e farinha, e cuspia caroço de jaca. Cresci melado de manga e melancia, farto de mamão e banana cozida. Sou feito do Alto Maron, bairro quase enladeirado com ruas às vezes esburacadas, onde sempre foi diversão ver enxurradas que transformavam ruas esburacadas em rios. Sou tatuado pelas quedas de bicicleta, pelas idas ao centro para o suco de acerola que congela o cérebro, pela primeira lata de cerveja importada, pelo pastel engordurado da lanchonete Saruê. Sigo enfeitiçado por suas iguarias, algumas absolutamente sem-graça mas incontestavelmente irresistíveis – não consigo definir o biscoito avoador de outra forma. Encanto-me, hoje, com aquilo que não me era antes tão especial, por comum demais: sucos de caju, acarajés, chimangos e catados de sirí. Sou marcado pelos amores que aqui tive, pelos amigos que aqui tenho, pela família que sempre terei. Ainda admiro-me do sorriso fácil da minha gente, dos abraços apertados e das resenhas batidas. Sim, aqui se batem resenhas, bate-se uma “posta” ou se “queta de prosa”. É tarde demais. Não adianta preferir viver longe, gostar mais de onde eu hoje resido, porque isto que sou é feito de outra coisa, uma coisa que não se acha a não ser aqui, essa coisa é isso aqui, e essa coisa é impossível deixar para atrás, pois já não seria mais eu, já seria outra pessoa, já seria um estranho.
Não, eu não volto. Porque daqui nunca saí.
24/02/2018 em 07:04
Belo texto, Nobre!
01/09/2018 em 13:59
Obrigado, Nobre! 😀