Eu sou adepto do entendimento de que o imigrante precisa se adaptar ao novo país, preferencialmente sem se descaracterizar ou sem perder suas raízes. Mas reconheço que isso nem sempre é fácil. Não é sempre que se pode conciliar.
Filhos são uma dessas coisas que forçam o imigrante a ter que escolher qual a cultura dominante. Eu acho muito bom que se preserve a cultura brasileira, mas há momentos em que é difícil transmitir tudo que acho essencial transmitir para cultivar a idéia de brasilidade.
Hoje, por exemplo, é o dia nacional da Noruega. Todos vestidos com as roupas nacionais, até as crianças. Tendo filhos, há que integrá-los, até porque eles vão ter o sentimento de pertença ao país onde se encontram. E aí é quando você se toca que, por exemplo, esse lado da cultura brasileira não vai ser transmitido: dificilmente sua filha vai se vestir de baiana ou de indiazinha (noves fora o debate sobre apropriação cultural), não importa o quanto você queira preservar sua cultura.
Há que se fazer escolhas, o que é dolorido. Tipo, a língua – claro que vai ser transmitida, ainda que não em toda a sua riqueza – dificilmente conseguiria fazer minha filha vai compreender o idioma como é falado em sua forma doce, ao mesmo tempo dura, falada na zona rural do sudoeste baiano, ou mesmo a forma engraçada que se fala “conquistês” (pra quem é de Vitória da Conquista, é fácil identificar as frases que ninguém entenderia, como “quer quanto de posta?”). Música: claro que minha filha vai conhecer Elis Regina e Elomar, mas não vai sobrar espaço pra Belchior, infelizmente. Livros? Machado de Assis vai ser obrigatório – José de Alencar não, obrigado. Ela não vai conhecer, pro bem e pro mal, a TV brasileira, mas vai conhecer a Turma da Mônica. Assim, torno-me um filtro, justo eu, que não sou conhecido exatamente por ter bom gosto.
Vejo-me fazendo as escolhas por ela, com o coração apertado porque queria que ela se sentisse tão brasileira quanto eu, ao mesmo tempo que quero que se sinta 100% pertencente à Noruega, porque é esse país que a acolheu e que ela vai chamar de seu – a menos que eu consiga conquistar um espaço pro nosso país no seu coraçãozinho. O tempo dirá.
Um dia, deverei me naturalizar norueguês, pois agora é, também, o meu país, embora sempre com a certeza de que serei sempre e irremediavelmente brasileiro. Se o imigrante tem que se adaptar e renunciar um pouquinho coisas do lugar de onde vem, o filho do imigrante precisa aprender a amar as suas origens. Não sei o que é mais difícil.