Li agora que a OAB resolveu apoiar o projeto da proibição de candidatos a cargos eletivos que tenham “ficha suja”, isto é, estejam com processos em tramitação perante a justiça eleitoral.
A coisa toda é ridícula, demagógica e sem pé nem cabeça, e a OAB, que deveria ser defensora de um Estado Democrático de Direito, parte para o casuísmo. Me refiro, claro, à OAB Federal.
Primeiro, não vou tomar o tempo do nobre leitor para repetir o princípio maior de um Estado Democrático de Direito, que é o princípio da presunção da inocência. Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado das decisões condenatórias. Se as decisões demoram, a culpa, por certo, é do próprio Estado e do aparelho judiciário. Aí vemos claramente o posicionamento demagógico: não se culpa a lentidão dos processos, mas sim ao candidato, que tem direito ao recurso. Ora, então porque não se acaba com o recurso e deixa tudo ao sabor dos juízes eleitorais, que quase sempre são inexperientes? Digo isso sem ofensa nenhuma aos juízes eleitorais: nós advogados também o somos, salvo alguns que vivem de Direito Eleitoral diuturnamente. É que a matéria eleitoral é cíclica, não dando aos juízes de primeiro grau a oportunidade de contato com a matéria com a frequência que deveriam, além do fato de acumularem as funções eleitorais com matérias distintas. A justiça é especializada, mas os juízes (e advogados, promotores, etc.) não.
Mas essa é apenas a ponta do iceberg. Quem já teve o mínimo de contato com a Justiça Eleitoral sabe como ela é pendular. Não é raro – pelo contrário, é frequente – que casos idênticos sejam tratados de forma diferenciada. O Direito Eleitoral, no Brasil, talvez seja a área jurídica mais influenciada pela jurisprudência, que muda a cada eleição. Advogados eleitorais se vêem loucos ao orientar seus clientes, porque o que antes era considerado liberdade de expressão, hoje é ofensa, e amanhã poderá não sê-lo. E cada juiz tem um ponto de vista diferente. Não é raro que um processo eleitoral tenha decisões díspares em cada instância responsável pelo seu julgamento/revisão.
E o pior: a lei eleitoral é draconiana. É, ao meu ver, incompatível com o Estado Democrático de Direito. Um cidadão que coloca um outdoor desejando Feliz Natal pode levar uma multa por propaganda antecipada, mesmo sem sequer ter havido qualquer anúncio de sua candidatura. Quer algo mais surreal e policialesco que isso? E é de uma igenuidade ou hipocrisia tal esse tipo de condenação, porque ignora-se que alguém pode fazer propaganda eleitoral antecipada ao inverso: imagine se eu sou jornalista e passo 4 anos falando mal de meu futuro opositor. Não há punição eleitoral para isso, e nem poderia haver! Não se pode olvidar da liberdade de expressão (com as suas consequências) quando se fala de matéria eleitoral – esta última tem que ser submissa àquela.
A coisa é tão subjetiva que imaginemos outra situação: já vi julgados de Tribunais Eleitorais que entenderam que a prática de conduta vedada a candidatos independe do seu consentimento/conhecimento. Basta que ocorra a infração. Por exemplo: propaganda de um candidato em transporte público. É ilegal. Sujeita o infrator a multa e, se for abuso de poder político/econômico, cassação da candidatura. Porém já soube de um candidato em uma cidade do Estado (ainda bem que não chegamos a esse ponto em Conquista) onde o candidato opositor colocou um cartaz do seu concorrente em um ônibus coletivo, tirou a foto, e processou seu concorrente! Não sei qual foi o desfecho, mas é bem possível que o candidato inocente tenha sido condenado!
Já vi casos de candidatos foram condenados nas duas instâncias com base em decisões anteriores tão draconianas e equivocadas que acabaram sendo revistas pelo tribunal superior. E já vi o contrário também. De forma que não, não confio na Justiça Eleitoral. Não acho que suas condenações ou absolvições sejam abono de conduta ou vaticínio do caráter do político. Se acho que as decisões deveriam ter efeitos limitados com trânsito em julgado, sem este último aí é que entendo ser impossível qualquer penalidade que venha a prejudicar o candidato.
Ou o Brasil faz a coisa certa e pára de procurar atalhos para resolver seus problemas, ou vai continuar a ser o país da demagogia.
Precisamos, sim, de uma Lei Eleitoral clara, menos subjetiva, cujas regras do jogo sejam óbvias. Eu já ia concluir, mas veio a mente outro exemplo: já viram o clima de medo que paira nas seções eleitorais nos dias de eleição? O evento, que era pra ser uma festa da democracia, virou um terror, parecendo que ainda vivemos sob ditadura. Cumprimentar alguém que tenha camisa de candidato pode ser considerado boca de urna! Duas pessoas que andavam com a camisa de um candidato podia ser considerado aglomeração! Aí o juiz-xerife ou alguma outra autoridade sedenta de respeito à sua posição ia lá e mandava prender. Acusação? Boca de urna! Aí sabe o que os doutores fizeram? Proibiram o uso de camisa de candidato! Sabe pra onde vamos? Daqui um dia, por exemplo, vão impedir que se use vermelho nas eleições, porque é a cor dos comunistas. Ou camisas listradas, porque era a estampa favorita de ACM. Há, nos dias de eleições, uma transmuração do Estado Brasileiro: tornamo-nos, naqueles domingos, um Estado Policial, cerceador de liberdades.
É o dia que consertamos as mazelas: pode-se comprar o voto o ano inteiro, mas naquele dia não se pode comprá-lo com uma camiseta…