Descobri, finalmente, a razão de nossas mazelas: A sensibilidade exacerbada.
Ora, vejamos:
Uma ministra do STJ diz que existem “bandidos de toga”, e só faltou ser crucificada. Um deputado falou que 30% dos seus pares não se salvam. Jornalista em Conquista, participando de movimento, critica entidade de classe e recebe críticas de referida entidade.
Por trás das respostas às críticas acima, sempre o mesmo argumento: “generalização”.
É, como já disse aqui antes, infantilizar o debate, tentando esvaziá-lo com argumentos meramente formais. Ou seja: ao invés de discutir a essência da crítica, tenta-se desqualificá-la sob o argumento de generalização. É como se, de repente, dizer que “ganha-se muito mal no Brasil” seria uma mentira apenas porque algumas pessoas ganham bem.
No caso do Caíque, a situação é ainda mais surreal, porque a ADUSB, entidade que o critica, não costuma usar de linguagem lá muito franciscana quando revolta-se (sempre com razão) contra o poder incubente. Aliás, nunca vi movimento algum de protesto usar palavras de ordem do tipo “Governador (ou prefeito) mauzinho!!! Assim não vem mais!!!”. Para quem já viu até enterro simbólico de prefeito, eu acho que “masturbação mental”, uma das expressões que o Caíque teria usado, é até pudico.
Pior: a ADUSB, ao falar em patrulhamento, não só patrulha, como ainda ameaça de forma velada, lembrando do vínculo profissional do Caíque. É vergonhoso, porque espera-se de uma entidade formada por professores o estímulo ao pensamento plural, à crítica, à indignação. Talvez até incentivem isso, mas não contra eles próprios. Crítica sempre é bom quando é contra os outros.
Em um país tão acomodado como o nosso, a provocação para que a academia participe de um debate construtivo é bem-vinda. Pode até ser que a boa parte dos professores tenha algum engajamento em uma mudança social, ou mesmo o contrário. O que importa, no caso, não é a verdade ou inverdade da afirmação. O que me parece grave, aqui, é essa sensibilidade de freira carmelita (com todo respeito às religiosas), justamente quando se sabe que, em protesto contra o sistema, não se pode esperar suavidade.
Eu, se estivesse em Conquista, pode ser até que não teria participado da manifestação. Estaria, é bem possível, enchendo a “pança de batata frita”. Mas, se assim estivesse, me sentiria envergonhado por, em um país tão injusto, não estar protestando.
Aliás, professores devem entender que são, mais do que ninguém, exemplos. Portanto, devem acostumar a ser vidraça também. E, se injustas as críticas, que contestem-nas. Agora, protestar contra o ato de criticar, chegando ao absurdo de dizer que seu exercício beirou a injúria é, mais do que desconhecimento jurídico, intolerância.
E, sinceramente, tenho medo de professores falando que tal manifestação seria um “germe da desagregação”. Muito fascistóide pro meu gosto. Como assim desagregação, cara pálida? Devemos agregar-nos? Com quem? Com a ADUSB? A ADUSB, por acaso, defende o pensamento único, em torno do qual devemos nos agregar?
Acho que a crítica do Caíque não usou de palavras que eu, cheio de não-me-toques que sou, não usaria. Mas acho que esconde, no fundo, uma decepção: se em protestos desse tipo professores não se fazem presentes, acaba por retirar-lhes um pouco de contundência. Porque são eles quem nos ensinaram a indignação. É como se, de repente, tivéssemos sido traídos.
Confesso que, ao receber os primeiros releases sobre o “Nas Ruas”, fiquei preocupado. Nossos professores sempre nos ensinaram a ter medo de movimentos que se dizem apartidários. E estavam certos – vide o “CANSEI”. O problema é que as esquerdas, no poder, provaram que corrupção não tem ideologia. Antes de defender o capitalismo, o socialismo, ou outro ismo, o que estamos pedindo é tão-somente decência com a coisa pública. Sim, eu continuo achando que o capitalismo é, em essência, corrupto. Por isso, acabo sendo de esquerda. Mas há algo legítimo em um pouco de pragmatismo quando se pede, simplesmente, decência. O “Cansei” era dissimulação de burgueses para desestabilizar um governo. Já os Nas Ruas me parece, simplesmente, um legítimo movimento social em uma hora em que a demissão de ministros por corrupção está se tornando algo corriqueiro.
E sim, nossa omissão até hoje deixou que a corrupção se alastrasse.
Não vi nenhuma intolerância em relação às diferenças, conforme afirmou a ADUSB. A crítica do Caíque, dando o desconto para as palavras de ordem e retórica de protesto, resume-se no sentido de falta de envolvimento da Academia nos protestos. Concorde-se ou não com essa falta de envolvimento, parece ser razoável tal crítica. Pode até não agradar, mas, no academicismo de alguns, há pouco ativismo, exceto nas catarses das greves.
E acrescento: infelizmente, não só os professores foram omissos. Fomos, também, nós, advogados. Servidores públicos. Médicos.
Falta de motivos para protestar não é o caso. Falta-nos, na verdade, coragem.
17/11/2011 em 16:15
Tudo o que eu queria dizer mas que não saberia por em texto de forma tão elegante, contundente e informativa. Parabéns pela coragem de se posicionar. Me sinto altamente contemplado aqui.