Eu também fiquei chocado com as tais malas de dinheiro no apartamento de Geddel. Quem não ficou? Quem não ficaria? Não era inesperado, não foi exatamente uma surpresa, ninguém nunca achou que Geddel foi santo. Mas visualizar aquilo choca.
Mas é preciso um pouco de cabeça fria. Geddel não tornou-se corrupto agora, mas, principalmente, não é agora que todo mundo descobriu que o rapaz é do mal. Digo isso porque apontam que ele pertenceu tanto ao governo Dilma quanto ao governo Temer. O PT tinha uma aliança com o PMDB, com partidos mais retrógrados e acostumados com um ambiente corrupto. Isso é fato. Não entendo exatamente a surpresa. Essas alianças do PT viabilizaram os sucessivos governos do partido. Imaginar que o PT seria um freio à corrupção dos seus aliados pode até fazer sentido, e, de repente, vai ver era isso que deveriam ter feito, mas não deixa de ser um tanto ingênuo.
As tais alianças tiveram a vantagem de sustentar um governo com programa mais popular que os anteriores. Isso é fato, e ninguém discute sério discute que os governos petistas não foram mais populares ou com programas mais minimamente destinados às classes menos favorecidas. Mas será que isso basta para justificá-las? Hoje, começo a achar que não:
Os problemas dessas alianças são, ao meu ver, dois:
– Contaminaram o partido (vá lá, ou apenas deram espaço para os corruptos em potencial que já estavam lá);
– Macularam a primeira experiência brasileira de um governo legitimamente de esquerda após a ditadura militar.
Esse descrédito da esquerda e a radicalização do eleitor brasileiro são uma herança difícil. Eu não diria que a culpa é exatamente da própria esquerda, já que esse julgamento é feito hoje, e não àquela época – a não ser que alguém demonstre que, historicamente, alianças entre esquerda e direita sempre terminam mal para a esquerda.
Uma das pessoas mais inteligentes que conheço, e que, não por coincidência, é uma das mais honradas também, sempre foi contra isso tudo. Saiu do partido mais de uma década antes dessas alianças, por achar que política se faz acima de tudo com princípios. Pois hoje vejo que essa pessoa tem absoluta razão.
Não acho que o PT seja exatamente culpado de tudo isso aí. Mas é responsável porque, ao fazer uma aliança, afiançou gente perigosa. Eu sei que amigos meus hão de discordar, porque na luta política a opção é sempre a de eleger o menos pior, ou o programa mais progressista. Isso é indiscutível. Ninguém vota no PT pelos lindos olhos do Lula. Vota-se no PT porque o resto, politicamente, é um desastre. Tanto assim que os críticos raivosos do PT dificilmente direcionam sua agressividade às alianças que seus candidatos fizeram – isso quando explicitam suas escolhas partidárias, o que hoje em dia, convenientemente, não fazem. Porém, não se pode fazer um julgamento político baseado nessas gangues raivosas da internet ou na incoerência de quem milita na direita. Ainda assim, há limites. A esquerda precisa entender que, mais que alimentar quem tem fome, sua missão é criar uma sociedade auto-sustentável, plural, ética e inteligente, além de alimentada. Basear sua política em melhoras incrementais na qualidade de vita em troca da entrega de feudos para a direita saiu caro.
O Brasil, ao sair da ditadura, tinha uma população ansiosa pela liberdade, pela democracia e pelo avanço da cidadania. Hoje, o debacle do PT criou uma população arisca à tal democracia, à pluralidade e aos valores que a esquerda defendia e que hoje estão sendo reduzidos a pó.
Assim, o PT precisa se auto-impor um purgatório como aquele imposto aos hebreus ao saírem do Egito: a geração corrupta não pode vir a conhecer a terra prometida. Em razão disso, a candidatura de Lula é um desserviço ao país.
Lula merece o benefício da dúvida. Merece um processo legal não baseado no espetáculo midiático ou na obsessão da condenação baseada em delações. Lula, só, não: todo mundo. Aquela sentença do Sérgio Moro é uma das peças mais estúpidas que já li, onde a persona do juiz está misturada na fundamentação técnica. Mas, politicamente, apesar de ser um político capaz de pacificar o país, e apesar do ódio em torno de si, Lula precisa entender que os projetos progressistas hoje precisam vir de uma esquerda tão acima de críticas morais quanto àquela que existia em 2002.
Ou o PT reconquista a autoridade moral que tinha, ou pode causar ainda mais dano caso não admita que, como jogou, não pode mais jogar.