Caros amigos que estão felizes com a prisão do Lula:
Tudo bem?
Não, não acho que sois idiotas por estarem felizes com a prisão do Lula, nem por acharem que ele seja bandido, criminoso, safado, etc. Vai ver ele até é, e somos, nós outros, ingênuos de achar que ele seja inocente. Sim, da mesma forma que achávamos que vocês foram ingênuos ao achar que “Primeiro a Dilma, depois o resto”.
Mas enfim, eu os convido a algumas reflexões:
Vamos, primeiro, refletir no que temos em comum: eu não estou seguro que Lula é isento de culpa. Acho que qualquer político, em qualquer lugar do mundo, que recebe favores de empresários, merece nossa desconfiança. Para mim, não está claro exatamente qual foi o favor concreto que esses empresários receberam de Lula e que provam a corrupção, mas deixemos isso de lado agora.
Mas eu os convido a me encontrar no meio da ponte: vocês, de fato, creem na isenção do sistema que condenou Lula?
Vamos lá:
– Sérgio Moro, o juiz que o condenou, conduziu o presidente coercitivamente, num momento em que o país estava politicamente desestabilizado. Condução coercitiva, segundo a lei, existe quando alguém deixa de cumprir uma intimação. Você gostaria de ser conduzido coercitivamente pela polícia, sem antes ter sido intimado? Não acharia que o juiz teria algum interesse oculto nisso? Ou, no mínimo, que foi zeloso demais?
– O mesmo Sérgio Moro divulgou conversas telefônicas que sabia estarem protegidas pelo sigilo telefônico, em um momento que Lula seria nomeado ministro. Você gostaria que um juiz divulgasse conversa telefônica sua? Não acharia que o juiz estava com vontade pessoal de prejudicar um ato que favorecesse Lula?
Você pode até dizer que não vê motivos para a comparação, que você é “do bem”, que não precisa ir à justiça, mas você acha que a lei deve valer só para algumas pessoas? Se sim, paremos por aqui, acho que o diálogo não prospera, nossas posições são irreconciliáveis.
Sigamos:
– Os promotores constrangeram o investigado Lula, expondo-o inclusive com Powerpoints (ridicularizados desde o início), aproveitando uma opinião pública desiludida, sim, com a questão ética (embora, convenhamos, a raiva contra o PT não seja motivada só pela ética – ou falta dela).
– O presidente do Tribunal que julgou o recurso de Lula, antes da sessão, já havia dito que a sentença de Moro era irrepreensível, sem ter sequer lido as provas dos autos. Você gostaria que o presidente de um órgão julgador se manifestasse sobre seu processo, assim, em público, já dizendo que a sentença contra você, tecnicamente, está impecável?
– Você, que não gosta do Gilmar Mendes – assim como eu não gosto – gostou quando ele barrou a posse do Lula? Ou passou a desgostar dele de agora? E o Luis Barroso, indicado pela Dilma? Passou você a gostar dele de agora, ou já apreciava sua ténica quando o acusavam de entrar para salvar os petistas do mensalão? Você confia nos ministros que votaram contra o Lula? Desconfia nos que votaram contra? Pensa, realmente, que o mundo é assim, binário, que quem é pelo Lula é burro, idiota ou corrupto, e quem é contra é honesto, sério, probo?
Eu poderia falar mais: poderia falar sobre a Constituição Federal, que claramente veda prisão antes do trânsito em julgado dos processos. No decoro que se exige de juízes ao não comentarem seus casos, e da leniência com suas faltas processuais (ou porque Moro nunca foi punido pelos erros que cometeu?). Eu me sinto tentado a falar também sobre os outros políticos que têm sobre si suspeição bem maior que a do Lula (Temer? Aécio?), mas eu acho que não contribui para nossa discussão aqui, no meio da ponte. Fica a cargo de vossos sistemas de balanços morais, onde o Lula parece ter um peso maior que os outros.
Enfim, com isso tudo, vocês ainda acham que vale a pena estar feliz com a prisão resultante de um processo como esse? Não sentem vergonha? O homem foi o símbolo do país, respeitado em todo canto, chamado de “o cara mais popular do mundo” pelo cara mais popular do mundo, e, de repente, é preso? Não sei, provada a culpa do Lula, me sentiria decepcionado. Como fui decepcionado com o Temer, não só por ele ser corrupto, mas por ter traído sua companheira de chapa. Como me decepcionei com o Aécio Neves, que parecia ser algo novo, muito embora não alinhado ideologicamente comigo.
Eu estou com vergonha disso. Vergonha no que o país se tornou. Vergonha por ver essa regressão na alma do brasileiro, de gostar de sangue, de gostar de desgraça. De não ter serenidade nem para pensar no que é certo. Nos valores. Na importância da lei. E nem deixar de reconhecer que é uma tristeza ver alguém da estatura do Lula ser preso. Como ficaria eu triste se FHC fosse preso, apesar de não gostar dele.
Eu não desejo a vocês, se um dia precisarem da justiça, que tenham um processo igual ao do Lula. Eu fui advogado por 11 anos. Nesses anos, já representei contra dois magistrados. Os dois foram afastados pelos respectivos tribunais. Eu sei como meus clientes ficaram quando sentiram que o peso do Estado se voltava contra eles porque os juízes agiam parcialmente ou em violação das normas disciplinares. Até as partes contrárias ficaram constrangidas.
Nesse Brasil com tão pouca atenção ao rigor processual onde só o resultado interessa, sendo irrelevante se o procedimento foi justo, caminha-se agora a um país dividido, quando deveria estar unido por instituições confiáveis.
Ou você confiaria no Moro se ele não tivesse condenado o Lula? Sua fé está no Moro, ou nas provas? Basta esse teste mental. Com instituições sérias, ninguém nem se lembraria o nome do juiz. Hoje, a esperança do Brasil que aplaude Lula se resume na pessoa de um juiz que quebra as leis quando quer, em nome da própria moralidade.
Salve-se quem puder.