Não, eu não engulo essa história do sujeito que, pra justificar o voto em Bolsonaro, vem dizendo “olha, eu votei no PT, mas me decepcionei muito”. Eu tenho lá minhas teorias para entender o voto em Bolsonaro, mas essa da dor de corno por causa do PT não cola. Eu explico porque:
Veja um caso típico que acontece muito: menina namora um cara. O cara sai pra balada com os amigos de vez em quando, bate uma bolinha, toma uma cervejinha… Veja: o cara era gente boa, mas curtia a vida tanto quanto curtia o namoro. Aí ele cai na besteira de flertar com outra menina, e era a desculpa que a namorada precisava: dá um pé na bunda do camarada. Aí ela vai e passa a namorar um troglodita escroto, que aprontava todas. Aí ela meio que amadurece, lembra que o primeiro cara era feliz, era bacana com ela, e percebe que aquele flerte foi apenas uma brincadeira, que todo mundo as vezes erra, coisa e tal. Mas isso depois de passar um perrengue.
Eu acho essa situação mais plausível do que aquela que vai viver defendendo o troglodita escroto, e vai passar por mil trogloditas escrotos, mas não dá o braço a torcer – muito embora isso também, infelizmente, acontece.
Voltemos ao PT e ao eleitor de Bolsonaro que justifica seu voto apenas com a decepção com o PT: o cara escolhe Eduardo Cunha como seu novo par. Aí o Cunha é preso: 50 milhões de dólares na Suíça, e tal. Depois o cara apoia o governo Temer – outro cheio de denúncias. Aí o cara escolhe Bolsonaro, o troglodita-mor, e ainda culpa a raivinha do PT. Ô dor de corno!
Veja, eu não relativizo os escândalos de corrupção do PT não. Mas sei que, no fundo, não é por causa deles ou por causa de uma suposta dor de corno que neguinho escolheu e segue apoiando Bolsonaro. É porque concorda com ele. Corrupção, esses todos tiveram. A Dilma não teve, mas o que pegaram pesado com ela por causa da dificuldade que ela tinha em desenvolver um raciocínio em público, enquanto relevam um potro na presidência que relincha mais do que fala, explica muito que se trata de uma escolha consciente de valores.
A tal dor de corno do PT é desculpa para o sujeito apoiar em público o que sempre apoiou em privado. Lembro-me, quando estudante, dos professores – geralmente de história ou de geografia – que tinham uma visão crítica da política, geralmente de orientação progressista. A maioria dos alunos abastados tolerava aquilo em silêncio, mas depois das aulas despejavam toda sorte de preconceitos ou de valores conservadores. O professor defendeu os direitos LGBT? Depois das aulas diziam que o dito cujo só podia ser bicha. Defendeu um trabalhador rural? É porque não sabia das dificuldades de produzir. Lembro-me de uma aluna que uma vez perguntou, sobre as invasões de terra: “mas professora, e aqueles que lutam para ter uma fazendinha para produzir e de repente esta é invadida por sem-terras? É justo?”. A professora, sem titubear “filha, nós não estamos falando aqui de conto da carochinha não – é da vida real que estamos falando.”
São essas pessoas que votaram em Bolsonaro. A dor de corno do PT é apenas desculpa. Fosse feita uma reflexão racional da coisa, nunca se justificaria votar em corrupto por causa do outro corrupto (ou, ao menos, se esse fosse o critério, o desempate seria por algum outro critério, como competência ou serviço mostrado). Nunca se justificaria votar em um ventríloco porque o anterior não se comunicava bem.
Só espero que essa dor de corno, ou melhor, da dor de corno como desculpa, passe logo, para o bem de todos nós. E que, por coerência, a impaciência que tinham com o falar da Dilma se mostre também com quem, ao abrir a boca, não consiga dizer absolutamente nada que preste.
PS. O exemplo acima poderia ser o contrário, um namorado que largou uma menina bacana, mas independente, por conta de uma submissa. Não há nenhuma intenção em ser machista com a anedota.