07/12/2011
por francis
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FTC: A omissão (ou “Crônicas de uma morte anunciada”)

A situação era conhecida, todo mundo sabia, e ninguém fazia nada: sempre que algum professor da FTC era demitido, tinha que mover processo judicial para receber os valores devidos a título de FGTS.

Até aí, nada de anormal: a Justiça está aí pra isso, e dela se utilizar para receber parcela trabalhista não-paga é absolutamente corriqueiro.

O problema começa quando se nota que TODOS os funcionários da FTC, ao serem demitidos tinham que percorrer idêntico caminho, e isso desde 2006 (provavelmente até antes disso, mas a memória não me ajuda aqui).

Pergunta: como foi possível que, durante esse tempo todo, essa situação perdurasse sem que ninguém questionasse o que estaria acontecendo?

Sim, porque, ao que todo o resto indicava, a FTC seria uma instituição em franco crescimento: suas filiais recrutavam cada vez mais alunos, a publicidade da empresa era onipresente, os alunos costumavam adiantar os pagamentos semestrais através de cheques.

Porém, insistentemente, a instituição, apesar do estilo de vida de ostentação e luxo de alguns dos seus proprietários (muito se falou do apartamento luxuoso do Sr. Gervásio Oliveira, sócio da instituição), parecia sangrar de propósito.

Algo que era de conhecimento de todos era o fato de que, alguns anos atrás, a empresa começou a adotar a tática de não mais demitir seus funcionários – esperava que estes “caíssem de maduro”. Ou seja: não davam mais horários de aula para alguns professores, ou simplesmente comunicavam a demissão de forma informal, a fim de “cavarem” uma briga judicial que lhes permitissem prorrogar o pagamento das verbas rescisórias. Era comum o funcionário de RH dizer ao empregado demitido “isso só pagamos na justiça”, mesmo se tratando de verba corriqueira como aquela do FGTS.

Sendo a FTC uma empresa autorizada pelo Ministério da Educação, prestando, assim, serviço público (Educação), sempre foi estranha a grande mudança de personalidade jurídica. Primeiro, SOMESB. Depois, IMES. Tudo isso dificultava a execução das dívidas trabalhistas. Depois, engenhoso esquema financeiro foi montado para que o dinheiro que ingressava na faculdade (oriundo das mensalidades dos alunos) não fosse visto pela Justiça: a sua folha de pagamento foi, aparentemente, terceirizada! Ao invés do dinheiro entrar direto na conta da FTC, os valores pagos pelos alunos eram depositados na conta de uma empresa sediada em São Paulo, fora, portanto, do alcance das penhoras online da Justiça.

Nesse meio-tempo, as notícias de mandados de prisão contra o Sr. Gervásio Oliveira pipocaram nos noticiários, mas a omissão da grande imprensa, normalmente destinatária da publicidade ostensiva da FTC, causa espanto.

Para efeito de comparação, quando a FAINOR, de Vitória da Conquista, proporcionalmente bem menor do que a FTC, passou por problemas financeiros, a comoção social foi enorme, a ponto de que uma ampla negociação foi feita com professores que deixaram a instituição, sendo que, até onde se sabe, todos os acordos foram devidamente honrados. Por que só agora os professores da FTC entraram em greve? Por que não houve nenhuma comoção antes?

Perguntas, então, que exigem uma resposta:

– onde está o MEC, que, após sucessivas inspeções na FTC, após sucessivos rebaixamentos nas notas dos cursos da instituição, após sucessivos cortes no número de vagas de alguns cursos, nunca pareceu atentar para o problema do FGTS?

– onde está o Ministério Público do Trabalho, que parece nunca ter procurado verificar a precarização das relações de trabalho de uma faculdade que não é qualquer uma, mas talvez a maior faculdade de ensino privado do Nordeste?

– onde está a Justiça do Trabalho, que, a despeito de centenas de reclamações trabalhistas, até recentemente, chegou a recusar o pedido de advogado, de enviar o caso ao MPT (o que talvez responda em parte a questão anterior) para que este investigasse a situação, sabendo que se tratava de empresa de grande porte que, curiosamente, tinha apenas centavos em suas contas-correntes?

– onde está o Ministério do Trabalho?

– onde estavam os professores que hoje fazem greve, quando assistiam a seus colegas serem demitidos e viam estes terem que brigar na justiça para receberem o FGTS?

– onde estavam os alunos, ao verem as notas de seus cursos caírem, e ao tomarem conhecimento de que seus mestres eram diariamente vilipendiados no que se refere aos seus direitos trabalhistas mais indiscutíveis?

– onde estava a imprensa, que parece nunca ter visto nada?

Quem acompanhava judicialmente a questão, compreendia que havia (e há) uma estrutura jurídica bem montada com o propósito de enriquecimento dos donos da FTC às custas do suado trabalho de seus funcionários. Não se podia compreender como uma instituição em franco investimento podia ser tão omissa quanto aos pagamentos de seus professores. A coisa era deliberada. Mas, curiosamente, era tratada de forma individual: cada professor que matasse seu leão quando chegasse a hora.

E, pior: havia um valor depositado na Justiça Estadual, referente ao Prouni, em favor da FTC, não liberado porque parece ter havido irregularidade nessas bolsas.

Não quero aqui criticar o ensino privado, mas perguntar não ofende: como pode uma instituição de ensino, cujo objetivo primordial é formar profissionais éticos, preparados para o mercado de trabalho, ou, dizendo de outra forma, cujo objetivo é educar, pode se comportar de uma forma tão mesquinha, tão aviltante, tão deplorável?

Lembro-me de professores-doutores, usados de forma descartável, que se mataram para aprovar determinados cursos e depois foram praticamente chutados da instituição. Lembro-me de árduos defensores da FTC, inclusive diretores, que depois tiveram que entrar na fila para tentar receber algum dinheiro que caísse por acidente dos seus proprietários.

Preferia que a FTC não caísse de podre. Preferia que as pessoas acordassem, e que a instituição fosse publicamente confrontada, e não incensada, como se fossem respeitáveis cidadãos ou próspera empresa. Gostaria que seus donos tivessem que enfrentar uma cela fétida. Incomoda-me não tanto os crimes pelos quais alguns são investigados – “operação jaleco branco”, “octopus” e outros nomes. Incomoda-me que seu enriquecimento tenha ocorrido através da espoliação sistemática de professores, profissão que merece respeito, e não funcionário de RH mandando “buscar na justiça”.

 

P.S. – Não posso deixar de fazer uma homenagem anônima e silenciosa a determinado Procurador da República e a determinado Juiz Federal, que não se reduziram à burocracia das funções que ocupam, mas que promoveram as devidas diligências a fim de defenderem os interesses dos alunos em determinado processo contra a FTC. Queria que a Justiça do Trabalho fosse igualmente diligente. Não foi, e não é – pelo menos até onde vi.

02/12/2011
por francis
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O tabaréu do Sushi em Oslo

Vai este quem vos escreve fazer sushi. Entendam: em Vitória da Conquista, eu acredito que era o maior consumidor de sushi da cidade. Um dia vou perguntar pra minha amiga que tem um delivery de sushi em Conquista se eu era o cliente mais frequente.

Mas, estamos em Oslo, a cidade mais cara (ou segunda) do mundo, onde comer fora frequentemente não é uma opção. Então, descobri que, por um acaso, salmão é uma das coisas (relativamente) baratas que tem por aqui. E resolvi aprender a fazer sushi. Ou melhor, a tentar aprender.

Consegui fazer bolinhos de arroz com salmão por cima, mas não me atrevo a chamá-los de niguiri. São feios, disformes e com um arroz empapado. Mas dá pra comer e matar a saudade de sushi de verdade.

Ocorre que parei de comprar o salmão congelado, para comprá-lo fresco. O sabor é outro. E hoje, para não gastar muito, comprei um em promoção. Só que o tabaréu aqui, cujos conhecimentos de norueguês não são assim uma Electrolux (pra escandinavizar a metáfora, sacou? ;), não notou o “Røkt” na porquera da embalagem. Resultado: depois do arroz cozido e preparado, percebi o cheiro: “røkt” quer dizer “defumado”…

Fiz a disgrama do sushi assim mesmo, que coroa norueguesa não dá em árvore. Mas confesso que um estomazil cairia bem agora… :S

 

30/11/2011
por francis
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Conciliações

Amigo meu postou notícia do CNJ com números de acordos feitos em audiências de Conciliação, principalmente aquelas de mutirões.

As conciliações podem ser vistas por dois ângulos: um deles no fim da angústia da vida processual, para as partes. O outro, na diminuição de um passivo, do ponto de vista do Judiciário. O problema é que o tal passivo é que o tal passivo é que alimenta a tal angústia, sob forma da demora da prestação jurisdicional.

Me pergunto, sinceramente, até que ponto é saudável a comemoração com números de acordos em mutirões. Esses acordos geralmente são enfiados guela abaixo das partes, que já não podem confiar em uma justiça que não é, sobretudo, efetiva. Não que os juízes forcem um acordo. Mas as circunstâncias são as do “não tem outro jeito, ou se acorda aqui, ou se espera uma sentença que levará anos”. Juro que gostaria de comemorar um número recorde de julgamentos – não porque tal comemoração seria uma apologia à litigância, mas simplesmente porque não consigo acreditar que as conciliações demonstrem tentativa de pacificação – são, sobretudo, demonstrações de um Estado falido que, incapaz de cumprir uma função tão básica, devolve aos cidadãos a responsabilidade que não lhes pertencem: “Virem-se”. E, pior: ainda apregoam que isso é solução alternativa de litígio, como se fosse mais austera, ou moralmente mais aceitável, do que o julgamento competente.

Sei que muitos Juízes de boa-fé fazem os tais mutirões, inclusive para tentar diminuir um passivo processual que sequer criaram. Sei, ainda, que outros, sem tanto passivo assim, só têm seu trabalho atrasado com tais semanas de conciliação – ninguém consegue nada em cartório nas semanas antecedentes ou durante à semana de conciliação. Sei que, de fato, alguns acordos são feitos, trazendo paz social. Mas tenho certeza que, na ampla maioria, o acordo é feito porque o aparelho judicial não dá a segurança de um julgamento célere. E aí vem a liçãozinha de moral da propaganda: “quando um não quer, dois não brigam”.

28/11/2011
por francis
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Vocação e pragmatismo

Ok, escolhi Direito, e mantenho-me fiel à escolha. Caralho, até mestrado em Direito estou fazendo.

Mas às vezes me pergunto se deveria deixar a vocação falar mais alto. Não que não tenho vocação para a área jurídica. Devo tê-la, ou pelo menos me dizem que a tenho. Mas acho que nada me interessa mais do que gente.

Acho que entender as pessoas, seus motivos, seus desejos – entender gente de verdade – queria que essa fosse a minha verdadeira vocação. É que nada me interessa mais do que as pessoas. E nada me satisfaz mais do que conhecer gente de bem.

Por isso talvez eu não seja a pessoa mais adequada para viver no exterior. É que a alegria de conhecer gente boa é facilmente ofuscada pela tristeza de perdê-las, porque, no exterior, quase tudo acaba sendo transitório devido à própria natureza de nossas estadias. Sim, nossas estadias são transitórias por natureza – quer em razão de nossas atividades – um curso, um estágio – quer em razão legal – há sempre algo chamado  “visto” a limitar nossas experiências.

Há, pra mim, algo triste em, por acaso, conhecer gente boa, quando esses encontros já vem com data de validade…

Enfim, que seja eterno enquanto dure! 🙂

17/11/2011
por francis
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Sensibilidade exacerbada

Descobri, finalmente, a razão de nossas mazelas: A sensibilidade exacerbada.

Ora, vejamos:

Uma ministra do STJ diz que existem “bandidos de toga”, e só faltou ser crucificada. Um deputado falou que 30% dos seus pares não se salvam. Jornalista em Conquista, participando de movimento, critica entidade de classe e recebe críticas de referida entidade.

Por trás das respostas às críticas acima, sempre o mesmo argumento: “generalização”.

É, como já disse aqui antes, infantilizar o debate, tentando esvaziá-lo com argumentos meramente formais. Ou seja: ao invés de discutir a essência da crítica, tenta-se desqualificá-la sob o argumento de generalização. É como se, de repente, dizer que “ganha-se muito mal no Brasil” seria uma mentira apenas porque algumas pessoas ganham bem.

No caso do Caíque, a situação é ainda mais surreal, porque a ADUSB, entidade que o critica, não costuma usar de linguagem lá muito franciscana quando revolta-se (sempre com razão) contra o poder incubente. Aliás, nunca vi movimento algum de protesto usar palavras de ordem do tipo “Governador (ou prefeito) mauzinho!!! Assim não vem mais!!!”. Para quem já viu até enterro simbólico de prefeito, eu acho que “masturbação mental”, uma das expressões que o Caíque teria usado, é até pudico.

Pior: a ADUSB, ao falar em patrulhamento, não só patrulha, como ainda ameaça de forma velada, lembrando do vínculo profissional do Caíque. É vergonhoso, porque espera-se de uma entidade formada por professores o estímulo ao pensamento plural, à crítica, à indignação. Talvez até incentivem isso, mas não contra eles próprios. Crítica sempre é bom quando é contra os outros.

Em um país tão acomodado como o nosso, a provocação para que a academia participe de um debate construtivo é bem-vinda. Pode até ser que a boa parte dos professores tenha algum engajamento em uma mudança social, ou mesmo o contrário. O que importa, no caso, não é a verdade ou inverdade da afirmação. O que me parece grave, aqui, é essa sensibilidade de freira carmelita (com todo respeito às religiosas), justamente quando se sabe que, em protesto contra o sistema, não se pode esperar suavidade.

Eu, se estivesse em Conquista, pode ser até que não teria participado da manifestação. Estaria, é bem possível, enchendo a “pança de batata frita”. Mas, se assim estivesse, me sentiria envergonhado por, em um país tão injusto, não estar protestando.

Aliás, professores devem entender que são, mais do que ninguém, exemplos. Portanto, devem acostumar a ser vidraça também. E, se injustas as críticas, que contestem-nas. Agora, protestar contra o ato de criticar, chegando ao absurdo de dizer que seu exercício beirou a injúria é, mais do que desconhecimento jurídico, intolerância.

E, sinceramente, tenho medo de professores falando que tal manifestação seria um “germe da desagregação”. Muito fascistóide pro meu gosto. Como assim desagregação, cara pálida? Devemos agregar-nos? Com quem? Com a ADUSB? A ADUSB, por acaso, defende o pensamento único, em torno do qual devemos nos agregar?

Acho que a crítica do Caíque não usou de palavras que eu, cheio de não-me-toques que sou, não usaria. Mas acho que esconde, no fundo, uma decepção: se em protestos desse tipo professores não se fazem presentes, acaba por retirar-lhes um pouco de contundência. Porque são eles quem nos ensinaram a indignação. É como se, de repente, tivéssemos sido traídos.

Confesso que, ao receber os primeiros releases sobre o “Nas Ruas”, fiquei preocupado. Nossos professores sempre nos ensinaram a ter medo de movimentos que se dizem apartidários. E estavam certos – vide o “CANSEI”. O problema é que as esquerdas, no poder, provaram que corrupção não tem ideologia. Antes de defender o capitalismo, o socialismo, ou outro ismo, o que estamos pedindo é tão-somente decência com a coisa pública. Sim, eu continuo achando que o capitalismo é, em essência, corrupto. Por isso, acabo sendo de esquerda. Mas há algo legítimo em um pouco de pragmatismo quando se pede, simplesmente, decência. O “Cansei” era dissimulação de burgueses para desestabilizar um governo. Já os Nas Ruas me parece, simplesmente, um legítimo movimento social em uma hora em que a demissão de ministros por corrupção está se tornando algo corriqueiro.

E sim, nossa omissão até hoje deixou que a corrupção se alastrasse.

Não vi nenhuma intolerância em relação às diferenças, conforme afirmou a ADUSB. A crítica do Caíque, dando o desconto para as palavras de ordem e retórica de protesto, resume-se no sentido de falta de envolvimento da Academia nos protestos. Concorde-se ou não com essa falta de envolvimento, parece ser razoável tal crítica. Pode até não agradar, mas, no academicismo de alguns, há pouco ativismo, exceto nas catarses das greves.

E acrescento: infelizmente, não só os professores foram omissos. Fomos, também, nós, advogados. Servidores públicos. Médicos.

Falta de motivos para protestar não é o caso. Falta-nos, na verdade, coragem.

 

 

14/11/2011
por francis
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Notícias do Brasil

Procuro me manter atualizado quanto a tudo o que acontece no Brasil, o que não é difícil, graças à internet. Mas não quero ficar alienado em relação ao que acontece aqui na Noruega, então leio quase que diariamente o principal jornal daqui, o Aftenposten.

Quase nunca vi notícias sobre o Brasil. Hoje saiu apenas uma foto da ocupação da Rocinha, escrito “Rochina”. O que é estranho é que, em outros jornais importantes do mundo, é normal ler notícias do Brasil. Aqui, nada. Mas quase diariamente saem notícias de países mais próximos, como Afeganistão, Geórgia, Rússia…

14/11/2011
por francis
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Enquanto isso, na Noruega…

Notícia interessante no jornal:

Um parlamentar quer mudar a constituição daqui para que seja proibido indicar como Secretário de governo alguém que seja representante no parlamento. A idéia é que é a população, e não o governo, quem deve escolher os membros do parlamento.

Interessante, não?

Lembra-me desses ajustes que no Brasil são comuns de indicar deputados, senadores, vereadores, etc., para ocuparem cargos, a fim de que outros que não conseguiram votos suficientes integrem o parlamento.