06/09/2012
por francis
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O Mensalão e o circo

Sabe o que me preocupa com esse caso do julgamento do mensalão?

Algumas coisas básicas:

1 – a “maracanãnização” de um processo judicial. Sim. Em um processo judicial midiático, sempre vai permanecer a dúvida: condenação poderá ser resultado da pressão pública, e absolvição consequência da suposta falta de isenção dos ministros. Acredito que a maioria das pessoas que pede a condenação sequer entende o que de fato está a ser julgado, e a maioria das pessoas céticas e cínicas (como eu) começa a acreditar que a decisão final será tudo, menos jurídica.

Sobre isso, um parêntese: quando, em minha vida de advogado, presenciava um cliente reclamar por um processo em que não se sagrou vitorioso, não era comum, mas acontecia, ouvir coisas do tipo “esse juiz foi comprado”. Isso sem razão alguma, ou apenas porque o juiz deu bom dia para a parte contrária e o cliente delirou que o juiz teria sido mais gentil com a outra parte do que em relação a ele, cliente. E lá ia eu explicar que se tratava de um juiz sério, que o juiz não teria razão aparente nenhuma para ser parcial, que o julgamento foi coerente com os autos, ainda que injusto na ótica do cliente, etc. E o maior argumento seria o seguinte: por que raios o juiz iria ter interesse em uma questão tão sem importância para terceiros?

Já no caso de um julgamento que tem placar na internet e tudo (como se jogo de futebol fosse), onde ministro chama o outro de “desleal”, onde já se aponta publicamente nas redes sociais quem seria vendido e quem seria patriota, quem é que pode, com consciência tranquila, dizer que espera julgamento técnico ou sem viés algum?

Minha preocupação não é apenas com o mensalão. Quem é que, esperando justiça, deseja um julgamento tão pressionado assim?

2 – Gostaria, sinceramente, de acreditar que o Brasil seria capaz de confiar na justiça. Confiar que o resultado de um processo foi, de fato, consequência de uma análise técnica e realista. Alguém é capaz de colocar a mão no fogo para garantir que o resultado será devido à conclusão de que os crimes, de fato, existiram, ou será que decisão condenatória será fruto da pressão popular por uma condenação por um crime que quase ninguém entende, mas diz ter havido?

3 – Que todos eles que desviaram dinheiro público mofem na cadeia, é minha opinião. Mas será que as instituições funcionam tão bem assim quando não é o PT que está na berlinda? Vide mensalão tucano (impossível evitar o clichê).

4 – O Min. Tóffoli, que deveria ter se dado por suspeito no julgamento – isso até as paredes sabem – vai receber algum pedido de desculpa caso venha a condenar a maioria, como, aliás, vem condenando (o único absolvido integralmente por ele foi João Paulo Cunha)?

Enfim, com uma côrte dessas, de gente inteligentíssima (com exceções, claro), mas cuja vaidade é extremamente incompatível com a nobreza das funções judicantes, nunca se vai poder afirmar com serenidade que um julgamento tão “espetaculoso”  foi fruto da convicção íntima do julgador, mas sim resultado de um jogo político e de pressões incompatíveis com a justiça.

Pra concluir, o único mérito desse julgamento será, no meu entender, criar uma nova cultura de responsabilidade de quem ocupa cargo eletivo. Isto é, se a côrte demonstrar que “o pau que dá em Chico, dá também em Francisco”. Mas caso limite-se a punir o PT, partido que jogou o jogo jogado e se deu mal, aí não teremos uma mudança plena de cultura política, mas sim a concretização da cantilena de que as elites nunca engoliriam um partido popular no governo. E acabará por fomentar um aparelhamento maior do Estado para impedir que um Poder supostamente corrompido pela parcialidade pró-elite continue a ser tão seletivo…

24/08/2012
por francis
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Cadê o Brasil no ICANN Studienkreis?

Vejo, de vez em quando, notícias sobre a posição brasileira a respeito da governança da Internet.
Mas, como perguntar não ofende, por que é que não tem um brasileiro sequer (além desse inexpressivo aqui que vos escreve) no ICANN Studienkreis, evento que reúne quem é importante no circo da governança da Internet no mundo?
Eu sei que existe um sentimento de uma certa desigualdade na distribuição de recursos internéticos no mundo (endereços IP’s, candidaturas para novos gTLD’s, etc.) em relação a países em desenvolvimento. Mas, caramba, um país como o Brasil, que tem demonstrado querer certo protagonismo nessas questões, deveria ter mais gente participando desses eventos…
#fail

17/07/2012
por francis
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A política e o Facebook

Resolvi escrever esse post porque estou cansado de ser cricri, ou de parecer cricri, melhor dizendo. É que cada vez que emitimos uma opinião via Twitter, Facebook, ou por outra forma pública de comunicação, o que é apenas uma opinião pode passar a ser visto como patrulhamento, e isso acaba gerando discussões desnecessárias.

Caso em análise: a propaganda eleitoral no Facebook. Houve muita manifestação espontânea contra o excesso de postagens relacionadas a candidaturas para as próximas eleições. Após tais manifestações, várias “contra-manifestações” surgiram, no sentido de que estaria havendo uma despolitização da rede social, e isso também seria indesejável.

Como participei das manifestações de que não queria ver propaganda política no Facebook, achei por bem escrever esse post para explicar a minha posição e o que acho do assunto.

Há duas esferas nas quais o Facebook (e outras redes sociais) se enquadram: uma esfera privada, ou seja, de que se trata de uma rede de contatos previamente aprovados, e outra pública, no sentido de que o conteúdo postado acaba sendo visto por pessoas diversas.

A esfera privada permite que eu selecione quem aceito que leia as minhas diatribes ou idiotices, quem pode saber que acabei de comer um pastel com caldo de cana, ou das minhas experiências digestivas em relação a determinada pizzaria. Claro, muita gente adiciona gato e cachorro porque tem outros objetivos com a rede, mas atrevo-me a dizer que a maioria adiciona as pessoas com quem tem algum vago contato a fim de integrar-se a elas e permitir que elas se integrem à esfera privada de cada um.

Nesse sentido é que sou absolutamente contra propaganda de candidatos no Facebook, porque acredito que isso é de mau gosto, é de péssima educação utilizar-se da confiança de quem lhe adicionou para torná-lo apenas um voto em potencial. Em suma: se já somos produtos de marketing no Facebook, passaremos a ser, também, produto de voto em potencial.

Acho que os candidatos poderiam criar suas páginas no Facebook e permitir que os simpatizantes as integrem. Mas fazer propaganda de candidato específico significa tornar uma esfera privada em casa da mãe Joana, submetendo seus amigos que te fizeram o favor de te adicionar ao Facebook e que tem seus candidatos (ou que os escolhem não por causa das lindas fotos das propagandas) a suportar o constrangimento de ser submetido a um bombardeio de nomes completamente desconhecidos politicamente e que querem se aproveitar de uma popularidade virtual para fazer nome. Como não me considero mercadoria nem moeda de troca, não aceito que cabo eleitoral nenhum me use como estatística para justificar seu peso político para seu candidato. Além, é claro, do mau gosto. Assim como não entro na casa de ninguém pedindo voto pra as pessoas (a não ser para as pessoas de minha confiança, as quais recomendo determinado candidato), não quero ser submetido a pedidos de votos em uma rede onde, teoricamente, selecionei a quem quero me expor.

Já a esfera pública do Facebook recomenda uma certa dose de cautela: o que é postado no Facebook será visto por todos os contatos da pessoa, e talvez até por um número ilimitado de pessoas, considerando os compartilhamentos e o descuido de muitos com a privacidade. Se tenho tolerância com amigo que posta alguma mensagem religiosa, o tenho porque se trata de amigo e vivemos em um mundo onde temos que conviver também com as diferenças. Se esse amigo(a) acredita que sua opinião deve ser repartida com todos, apesar dessa dita opinião colidir com a minha, vejo que se tratará apenas de divergência de credo, gosto, etc., coisas com as quais convivemos em um mundo civilizado. Por isso, tolero (até certo ponto) as postagens sobre times de futebol (não dou a mínima pra futebol, acho ridículo um time ser melhor que o outro – não são apenas pessoas com camisas diferentes?), religião, política, direito dos animais ou o que for. Eu, particularmente, nem sempre posto coisas desse tipo – prefiro falar do que penso, do que acontece comigo, para manter meus chegados informados, e também para saber o que eles têm feito da vida. Sei que outros pensam diferente, e gostam de compartilhar o que acham ser do interesse de todos os seus amigos, e tenho que respeitar isso., seja por força da amizade, seja porque a minha forma de ver o Facebook não é a única.

Mas quando há abuso dessa confiança, e a rede é usada para constranger as pessoas (compartilhe se você crê em Deus, clique aqui se você vota em fulano, etc.), ou quando é usada para transformar a audiência em número de possíveis consumidores, eleitores, etc., aí não acho de bom gosto abusar da confiança. Outra coisa completamente diferente é a discussão política. Acho legítimo discuti-la no Facebook. Só que vejo muito menos discussão política e bastante marketing político. A quem isso interessa? Agora mesmo, por exemplo, vejo uma discussão enorme no Facebook entre os noruegueses sobre os pedintes oriundos da Romênia. Saudável ver tanta gente discutindo uma questão séria – o respeito aos direitos humanos e a crescente presente de gente necessitada em um país que a isso talvez não esteja lá tão acostumado. Saudável a adoção de causas – gente que protesta por direitos em que acreditam, apesar de isso às vezes mascarar um vazio ideológico de pessoas que aderem a tudo o que está na moda, sem se envolverem com nada de verdade – ou será arrogância minha achar isso? De todo modo, parece-me que o uso das redes sociais como se fosse uma terra de ninguém acaba gerando uma cacofonia desagradável. Ao invés de nos conectarmos, de discutirmos, viramos reprodutores em massa de causas que não são nossas, com as quais não convivemos, apenas porque achamos bonito ou justo. No caso de causas bem intencionadas, tudo bem. Mas no caso de algum imbecil que se candidata, posta uma foto e nela “marca” o nome de TODOS os seus contatos, apenas para divulgá-la, vejo um abuso da saudável (apesar de cacófona) interação da rede, e contra esse tipo de abuso é que estamos nos insurgindo.

As postagens de causas, religiões, times de futebol, são chatas e irritantes, mas não são mal intencionadas, ou pelo menos não são feitas para dar vantagem a quem posta. Já as propagandas eleitorais transformam os usuários em produtos, e isso acho indesejável.
O bom senso recomendaria a candidatos a usarem o Facebook, sim, mas de maneira que não invadam a esfera privada ou que quebrem a confiança dos amigos para, dela se aproveitando, venham a pedir votos.
Mas, enfim, é apenas meu jeito de ver as coisas. Assim como jogaria o santinho no lixo, no Facebook bloqueio o chato.

30/06/2012
por francis
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Paraguai em Oslo

Hoje saí com vontade de comprar azeite de dendê, algo que se torna possível na Noruega quando se descobre que a iguaria, fora do Brasil, se chama óleo de palma. Como eu já sabia, tava escaldado, e achei direitinho. Claro, tentei (porque tentar é de graça) achar farinha de mandioca, o que, claro, não consegui. Engraçado: tem açaí em algum canto, mas farinha não. Tinha uma parada chamada Farina, mas acho que era algum mico só me esperando para existir! 🙂

As compras fiz em Grøland, paraíso dos saudosistas, estudantes-com-economia-contada e outros que pretendem encontrar produtos importados ou não (me incluo em todas as categorias), mas a custos mais convidativos. Grønland é um bairro essencialmente formado por imigrantes – acho que do Oriente Médio, Africa e sub-continente indiano. Em uma lojinha menor do que o Supermercado Pereira (se você é de Vitória da Conquista e mora no Alto Maron, sabe do que estou falando), mas no mesmo estilo do mercadinho mencionado, encontra-se tudo (menos farinha): feijão preto (espero que seja o correto para fazer um feijãozinho). Não achei nenhum feijão parecido com o que se encontra normalmente no Brasil, exceto esse da foto, além, é claro, do feijão-fradinho, que penso que vou usar para fazer um acarajé hora dessa! 😀

Feijões achados aqui!

No caminho até chegar à lojinha, vi uma espécie de “mini-feira do Paraguai”. Bem menor do que as nossas, mas com algumas bugingangas a preços melhores: fones de ouvido, baterias recarregáveis, etc. Vi uma outra barraquinha que vendia uma TV suspeitíssima! 🙂 Enfim, me senti em casa com a aparente bagunça, o que é sempre bom em um sábado chocho com chuva.

Gosto de Grønland – tudo é bem misturado, diversificado, fora da assepsia tão onipresente nos mercados, onde as frutas parecem de plástico (mas têm excelente qualidade). Onde se vê gente de toda a parte do mundo, ainda com suas línguas de origem, roupas, etc. Vi ciganos que quase começaram a brigar no meio da rua, muitos dos quais pedintes. Aliás, os pedintes vindos da Romênia (ciganos, segundo uma amiga minha romena, que faz questão de frisar a diferença) são comuns em Oslo, algo que espanta quem aqui chegava pensando que não veria algumas de nossas mazelas por aqui. Vi uns cochilando no chão em Grønland. Imagino que deve ser dura a vida de pedinte em um país tão caro e tão frio. Aliás, vida de pedinte não deve ser boa em lugar nenhum, a não ser que alguém me prove que essa teoria é viável.

Agora é só chamar o povo e fazer uma moqueca e matar um tiquinho a saudade de casa. 🙂

P.S. Mencionei aqui que os skatistas não estavam mais usando o piso da corte de Oslo para suas manobras. Pois com o fim do julgamento de Breivik, voltaram! 🙂 Sempre achei legal o fato de skatistas usarem a frente de um Forum, e é bom saber que algo da normalidade volta à cidade.

 

29/06/2012
por francis
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Séries: The Bridge

Título original: Bron/Broen

Série sueco-dinamarquesa sobre uma série de crimes perpetrados na região de Öresund, área que abrange o sul da Suécia e Copenhagen. Os personagens e seus dramas, mais do que o roteiro, são muito interessantes.

Gosto das séries escandinavas. Não sei onde eles encontram inspiração para tanto drama, crime ou análise tão depuradas de personalidades, quando, no exterior, parece tudo tão mais homogêneo e sem maiores problemas. A vida na Escandinávia parece ser mais real nos filmes no que na, bem, do que na realidade… 🙂

26/06/2012
por francis
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O Brasil e os impostos

Ao ler esse artigo, com o qual concordo em termos, do Dr. Douglas Fischer, fiquei ainda mais convencido de que, no Brasil, é a lei, e não o bom senso, cultura ou boa-fé que arbitra nossa conduta.

O artigo fala a respeito da tendência jurisprudencial de não se considerar contrabando (descaminho, na linguagem jurídica) a mera entrada no país de mercadoria sem pagamento de impostos, sendo necessária, antes da configuração do crime, devido processo legal. Eu confesso que, inicialmente, concordei com a posição do articulista, entendendo que a interpretação do STF acaba por tornar ineficaz a proteção legal aos cofres públicos.

Massssss, pensando melhor, PQP! Será que o Brasil é o único país do mundo que trata seus viajantes como criminosos importadores ilegais em potencial, com limites draconianos de cotas? Acho que nem a China faz isso (se bem que da China espera-se tudo). E, para não falar só dos viajantes, qual país do mundo cobra mais de 60% em tributos de importação (sim, somando-se II, IPI, COFINS e ICMS, fica perto disso, quando não passa).

O artigo mencionado acima fala que a proteção é não só dos cofres públicos, mas também do direito concorrencial e, sem dúvida, do aspecto parafiscal dos impostos de importação. Do ponto de vista jurídico, irretorquível, e é claro que não vou aqui advogar que a lei deve ser descumprida porque direcionada a uma política fiscal incoerente. Por isso, acaba aqui a argumentação jurídica.

Falemos, entretanto, dessa política fiscal absurda, em nome da proteção de uma indústria ineficiente que, mesmo com tanta proteção fiscal, sem falar na proteção passada da reserva de mercado, não consegue ser competitiva. Sei que parece conversa típica de reacionário da classe média essa reclamação contra a carga tributária do Brasil. Mas analisemos a questão sob alguns prismas:

1 – se a proteção não torna a indústria eficiente, deve-se ceder à chantagem do empresariado quando mencionam o número de empregos?

2 – o Brasil quer ter indústria competitiva, ou quer ter apenas indústria?

3 – porque países BEM mais desenvolvidos que o Brasil não possuem impostos tão altos assim?

Aí vem o problema: nenhum país desenvolvido cria tantos entraves à importação como o Brasil. No entanto, para sustentar toda essa ineficiência, cria-se uma política criminalizante, que drena esforços administrativos para a punição de sacoleiros. Quantas vezes, como advogado dativo, tive que ir à Justiça Federal defender alguém que teve sua mercadoria apreendida?

O problema é esse: em nome da efetividade, nosso julgamento acaba buscando “jeitinhos” jurídicos para justificar a não criminalização, tal como medida do MP, mencionada no artigo acima, de considerar descaminho de menos de R$20.000,00 “insignificante”. Ou seja: será que isso veio da cabeça de um penalista simpático ao garantismo, ou é oriunda de uma posição de administrador pragmático que sabe que é impossível dar conta do trabalho de acusar tanto contrabandista?

Ou seja: porque o Brasil sustenta posições draconianas, incompatíveis com a lógica do dia-a-dia, acaba não conseguindo dar efetividade a tais posições e estimula as interpretações jurídicas flexivas ao extremo apenas para dar legitimidade ao não cumprimento do dever.

Enquanto isso, danem-se todos: o consumidor brasileiro, porque não tem acesso a bens de consumo a preços competitivos, a nação, que não consegue competir industrialmente, destinado a ser exportador de commodities por causa de uma indústria incompetente e mimada que só consegue sobreviver dentro do curral estatal e o Poder Judiciário, que tem que ficar enfrentando esse tipo de nhénhénhé.

P.S. Apenas à guisa de informação, percebi que, na Noruega, quase sempre se paga imposto em relação a mercadorias estrangeiras. O limite da isenção, pelo correio, é de cerca de R$60 (menor que a brasileira, de US$50). Mas o imposto aqui é apenas o VAT, de 25%. E isso em um Estado de Bem-Estar Social, com todos os benefícios. Claro, a Noruega é uma exceção, quer pelo bem-estar social, quer pelos impostos. Vamos à Suiça: o VAT é de 7,6%. E é o que se paga ao se importar. Agora vamos ao Brasil, onde a importação simplificada significa pagar 60% de imposto… ONDE isso se justifica???

25/06/2012
por francis
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Gilberto Gil me redimiu

Sinceramente: sempre me senti meio burro por não conseguir ter um senso artístico refinado, ou por não ter qualquer erudição, inclusive em relação ao idioma. Na minha profissão, onde é comum escrever em um português sofisticado e formal, nunca consegui atingir a beleza do estilo de, por exemplo, dois juizes amigos cujas sentenças são sempre um primor de se ler.

Mas, por outro lado, parte dessa minha decepção comigo mesmo é atenuada quando leio frases como as que Gil proferiu em entrevista à Folha de São Paulo de hoje:

“Com as lupas bem ajustadas você vai encontrar pirataria aqui e acolá, mas, no olhar aberto horizontal sobre os territórios de atividade da humanidade hoje em dia, acabou [risos].”

“O justo meio está na igual possibilidade dos extremos. Ou seja: o centro flutua, não é uma coisa fixa, estática.”

“Certas sinapses desencadeavam uma liberdade auditiva. Corpo e alma percebiam essa inteligência.”

Enfim, eu sou básico.

09/06/2012
por francis
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Artigos de Ruy Medeiros

“Dr. Ruy Medeiros” é como costumava chamar meu tio, o “Dr.” para fazer troça, que não se chama tio de doutor. Tive agora a grata surpresa de ver que muitos dos artigos que ele escreveu estão agora on-line, graças a outro desses tios, o Carlos. E comecei a viajar lendo alguns deles, lembrando-me, vez por outra, de ter sido o digitador de alguns deles, quando fui recebido no escritório e procurava ajudar em alguma coisa.

Relendo esses textos, percebo agora a qualidade riquíssima da pena de “tio” Ruy. Acho que nunca conheci alguém tão inteligente. Mas inteligência não é sua única qualidade. Seu caráter é tão expressivo quanto. Aliás, a expressão “gente de bem”, que os antigos usavam, tem nele uma perfeita definição. Seu desprendimento fez e faz muito por Conquista. E fez e faz muito por mim também.

Recomendo, assim, aos amantes da história de Conquista, das crônicas locais, da política e das coisas do sertão, que dêem uma passadinha no blog com os escritos de Ruy Medeiros.

(UPDATE: os links estavam apontando para o lugar errado. Falha minha. Agora estão apontando corretamente para o blog com os artigos do Dr. Ruy. O endereço é http://ruymedeiros.blogspot.com.br/)

 

09/06/2012
por francis
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Um dia no julgamento de Breivik

Confesso: nunca fui a um júri na vida. Quer dizer, ir, eu fui, naqueles obrigatórios que a Universidade manda a gente ir. Mas tive sorte (ou azar) do julgamento nem sequer começar, em razão e um ou outro acidente (recusa de jurados ou algo que o valha, não me lembro).

Eis que de repente encontro-me em Oslo e pronto para ir assistir, ao menos por um dia, o julgamento de Anders Behring Breivik, o psicótico assassino de dezenas de adolescentes em Utøya, na Noruega, em julho do ano passado. Vivendo aqui desde 20 dias após o acidente, achei que deveria ir ao forum de Oslo para ver como isso tudo funcionava, já que nossa rotina aqui é afetada pelo julgamento, seja pelo impacto emocional que ele causa aos nossos amigos noruegueses (e a nós mesmos, claro), seja pela curiosidade jurídica, apesar de Direito Penal não ser a minha praia, o que, de certa forma, me deixa livre para dizer algumas tolices, como, por exemplo, achar que um crime desse tipo merece proteção típica de crime de guerra, já que o impacto maior é na sociedade, e não em uma vítima individual.

A primeira coisa que notei foi o aumento da segurança no local. Antes, me espantava ver jovens praticando skate no piso de entrada do forum (Oslo Tinghus), algo que não imaginava possível em ambientes tão vetustos. A segurança é típica de aeroportos, e agora a entrada no forum é controlada, sendo que todo mundo passa por revista, e a frente do prédio está cercada por grades. O passeio está tomado por trailers de estúdios de televisão. Azar dos skatistas…

Por questões de espaço, o julgamento é acompanhado pelo público por telões em uma sala distinta, à qual se tem acesso mediante retirada de senha no dia anterior. A sala principal é reservada para vítimas, familiares e imprensa. E essa foi uma das coisas que me chamou a atenção logo no início: mesmo ocorrendo o julgamento em sala distinta, as regras para a sala com os telões são as mesmas: celulares desligados, postura reverencial (tem que se levantar) quando da saída e entrada dos juízes, etc. Achei interessante o respeito para com a justiça, nesse particular, sobretudo.

Claro que acompanhar um julgamento em norueguês não é fácil, já que só estou engatinhando no idioma. Mas confesso que conseguia compreender 50-70% do que era dito, e, assim, foi possível acompanhar os depoimentos e apartes sem problema algum.

O julgamento me fez perceber o quão a diferença de cultura influencia nas regras de processo. Se no Brasil as regras de procedimento são bastante rígidas em termos de momento de falar, protestos, sistema de interrogar (sistema de reperguntas), aqui era algo extremamente mais flúido. A testemunha, na verdade, tem uma liberdade ampla de dizer o que pensa e o que acha. Os juízes não tem o temor de que eventual pronunciamento fora de hora descambe para a anarquia, nem os advogados comportam-se de forma raivosa e tampouco usam de qualquer pretexto para criar alguma celeuma e cavar alguma nulidade. Tudo parece muito ordeiro, mesmo. Não escutei, em nenhum momento, pessoas falando ao mesmo tempo (exceto em uma intervenção de Breivik, que foi contida pela juíza de uma forma firme, mas civilizada).

As imagens e o audio eram perfeitos. A testemunha, que era na verdade um perito em psiquiatria, mas depôs na qualidade de testemunha – o que achei estranho, já que, no Brasil, há distinção entre testemunhas e peritos – usou um powerpoint para auxiliar suas explanações, e fazia comentários genéricos que, no Brasil, seriam cortados imediatamente. Mas, aqui, o princípio parece ser de maior tolerância, seja porque é importante que todos se expressem livremente, seja porque a eventual irrelevância de algum pronunciamento leva ao tratamento da informação como irrelevante. Em suma: a testemunha não precisa ser açodada a todo o tempo. Não funcionaria no Brasil, imagino, porque parece que nossas testemunhas têm uma tendência de querer contar história, ou de não querer falar muito. Aqui, achei um meio termo, acho, mas é impressão minha, que não estudo ciência criminal.

Outra coisa importante que notei foi a falta de pressa. No Brasil, talvez pelo número de processos, pelas más instalações, pelo exaustivo sistema de reperguntas (onde o advogado não pergunta ao juiz que pergunta à testemunha, ditando o juiz a resposta a um escrivão), há pressa e enfado nas audiências. Aqui, ha paciência era de Jó. E como há pausas! Não passava 1 hora sem uma pausa. Havia intervenções interessantes, como a do advogado de Breivik, quer reclamando que o depoimento do psiquiatra iria sugerir diagnósticos sem o prévio conhecimento da defesa, quer para impedir a transmissão televisiva de tais diagnósticos (por respeito à privacidade do réu, ou algo assim). O debate dos advogados era caloroso, mas estranhamente ordeiro, sem o ping-pong costumeiro que vemos no Brasil ou nas séries americanas, que sempre acaba com uma bronca do juiz.

Gostei, gostei muito de ter ido. O julgamento foi uma aula de civilidade em um ambiente jurídico. Aliás, não me espanta: uma vez, um advogado daqui me perguntou como fazíamos para enviar uma cópia da inicial para o advogado da parte contrária no caso de processos eletrônicos. Eu disse que no Brasil quem mandava era o sistema, não nós. O advogado, confuso, me explicou que, aqui, ao ajuizar o processo, se costuma mandar, por cortesia, uma cópia da inicial ao colega, a fim de que ele não seja surpreendido com a ação. Nós, no Brasil, não costumamos auxiliar a uma melhor defesa da outra parte. Enfim, é a cultura influenciando os costumes jurídicos.

Quanto ao Breivik, só me inspirou raiva. Sorria mal-disfarçadamente o tempo todo, a qualquer comentário do psiquiatra. Imagino a tortura que não deve ser para as famílias ver aquilo. Mas, ao que parece, com mais de 30 dias de julgamento, muita água ainda vai rolar.

E, na sessão “mico”, este aqui comprou uma coca-cola que “espumou” ao abrir, e acabei deixando rios de coca-cola nos chãos do forum de Oslo. Tinha que ser eu, né? 🙁

Gostaria muito que meu amigo João Melo Filho estivesse aqui e fosse comigo ao julgamento. Iria adorar ouvi-lo sobre as conclusões do perito. Ou Eduardo ou Guto, mestres do direito penal. Ou de Sassá, que sempre me fez pensar além do que eu me julgaria capaz.

Acho que vou procurar ir novamente.

Em tempo: no depoimento, o psiquiatra descartou a psicose, mas acredita que Breivik teria um coquetel de doenças: transtorno narcisista da personalidade, síndome de Asperger e Tourette.