The darkest hour

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Antes de ler esse post, façamos o seguinte exercício mental: faça de contas que Flávio Bolsonaro tem relações com milícias, que praticou a chamada “rachadinha” e que surrupiava parte do salário de seus assessores, como suspeita o Ministério Público. Faça de contas que seu pai praticava os mesmos crimes. Faça de contas que sabia um o que o outro fazia. Fez de contas? Então vamos lá, você vai ver onde quero chegar.

Eu fui criado em uma família onde nunca faltou muito amor. Parte importante na transmissão de valores da minha família foi o meu avô. Meu avô era “das antigas”, do tempo em que o homem se colocava em segundo plano. Não tinha essa preocupação moderna de “cuidar de si, colocar-se em primeiro lugar”. Em primeiro plano estavam os deveres: dever de ser honesto, dever de prover para a sua família, dever de ajudar a quem precisa quando se pode fazê-lo. Não digo que meu avô não tinha lá seus defeitos, mas, sendo de família pobre e tendo que sustentar treze bocas, mais a sua e a de minha avó, seu norte, ao menos aos meus olhos, era feito de disciplina e trabalho.

Meu avô era policial militar. Essa combinação – família pobre, disciplina, trabalho, treinamento militar – pode fazer você pensar que meu avô era muito duro. E era. Mas eu nunca tive dúvida do seu amor pela família. O que talvez era um pouco estranho, aos olhos da moderna preocupação com a personalidade, era que, num conflito entre o amor e o dever, eu acho que meu avô ficaria com o dever. Explico: não havia muito espaço para alguns erros. Meu avô tinha tolerância zero com a desonestidade. Zero. Eu particularmente duvido que havia espaço para os dois com o meu avô: não se poderia esperar lealdade de meu avô por causa do amor, se essa lealdade pressupunha tolerância à desonestidade.

Mas não foi só do meu avô que tive essa fixação em ser correto, embora sei que, se errei de alguma forma, ou se me arrependo de alguma decisão mal tomada, foi sempre de algo que aconteceu depois que ele morreu.
Ainda que não fosse o meu avô, de alguma forma ou de outra somos condicionados a saber o que é certo e o que é errado. Escola, igrega, amigos, vizinhos, estranhos, ou mesmo, sei lá, alguma direção inata – a noção de certo e errado nos acompanha a todos, penso eu. O que talvez é diferente é a tendência a se escolher o certo e o errado. Alguns, mesmo sabendo o que é certo e errado, escolhem o erro.

Como pai, me preocupo em transmitir à minha filha a idéia de fazer uma boa escolha. Uma escolha que nem sempre vai representar uma vantagem pra ela, mas que de fato é a escolha certa. Claro, penso que ela tem que cuidar de si, tem se valorizar, mas quero crer que ela poderá escolher fazer o certo e ter uma vida eticamente responsável. Mas o fato é que me preocupo como minha filha me enxergará. Ela me enxergará como eu enxergo hoje o meu avô, ou me enxergará de forma menos lisonjeira?

Chegamos então no ponto desse post: fazendo de conta então que Flávio Bolsonaro e seu pai Jair sabem um das (supostas) tretas do outro: em que momento da vida de Flávio terá ele notado que seu pai não faz o que é certo? E em que momento terá percebido que deveria fazer como sei pai?
Em que momento terá Jair notado que seu filho não era flor que se cheira, mas teria aceito, talvez até com certo orgulho, que seu filho seguia seu próprio caminho delinquente?

Em que momento, entre as piadinhas de “tá virando homem”, ou “cuidado para não virar bichinha”, que imagino circulavam na família dos Bolsonaros, terá seu filho – terão seus filhos – escolhido levar vantagem com a política, tirar dinheiro de seus assessores, serem homofóbicos publicamente, etc.?

Veja, estou partindo de um pressuposto de que sabiam que isso tudo é errado, mas posso estar errado, e que nem todos tem essas distinções claras na cabeça. Mas a pergunta persiste: em que momento perceberam que seu pai não era o exemplo que gostariam de passar para seus filhos, mas escolheram, assim mesmo, seguí-lo?

PS – Vai ver é só ingenuidade minha mesmo perguntar essas coisas. Mas essa coisa de ser pai faz a gente ficar meio ingênuo, achando que somos nós os responsáveis por qualquer coisa que nossos filhos venham a fazer. Vai ver os Bolsonaro Jrs. nunca tiveram qualquer problema com seu pai, vai ver foi uma coincidência terem seguido o mesmo (suposto) caminho errado, ou vai ver não têm nenhuma noção de certo e errado, como assumi que todos têm.

Autor: francis

the guy who writes here... :D

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