16/01/2014
por francis
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Jon Bing

“A propósito, no final do corredor tem uma máquina de café e o preço é só duas coroas!”, disse Jon Bing no intervalo de sua primeira aula para nossa turma. Era setembro de 2011, e foi nesse instante que percebi que se tratava de alguém diferente. Não é todo dia que uma personalidade reconhecida internacionalmente tem a preocupação de dar uma dica tão mundana a seus alunos, muitos dos quais vindos de países pobres, e, como eu, então recém-chegados e assustados com os preços nesse país, onde um simples copo de café pode custar 30 coroas (cerca de R$12,00).

Naquele mês, finalmente conhecemos a figura de que tanto ouvimos falar ao nos candidatar a uma vaga no mestrado de direito da tecnologia da informação da Universidade de Oslo.

Há muito escrito sobre Jon Bing, e na Wikipedia pode-se saber mais um pouco sobre seus feitos acadêmicos e literários. Sua mente brilhante e sua rica cultura eram impressionantes, mas seu carisma era igualmente enorme. Jon não era o típico professor de Direito, apesar de nunca tê-lo visto sem gravata. Era um professor de Direito que gostava de elefantes. Que escrevia ficção científica e que convidava alunos e ex-alunos para sua residência, em um bairro longe de ser dos mais chiques de Oslo, uma vez por mês, para um jantar informal. Nessas ocasiões, e em outras, Jon falava com todo mundo, demonstrava legítimo interesse em conhecer seus convidados, de onde vinham, o que achavam do seu país, e se queriam um pouco mais de vinho.

Dois meses atrás, teve a generosidade de me dizer que sentiu orgulho ao ver meu artigo publicado, e dias depois, disse-me ter ouvido alguém falar bem do referido artigo. Típico Jon, que inspirou diversas carreiras e sempre demonstrou cuidado com seus alunos.

Já desde o início, em 2011 me impressionava seu amor ao seu ofício, vindo dar aulas em circunstâncias nas quais eu, tendo passado por similar situação, não sairia de casa.

Sua presença era tão respeitosa que eu jamais consegui chamá-lo apenas de ‘Jon’. A língua norueguesa contemporânea não possui mais certas formalidades como a nossa, e normalmente as pessoas se tratam apenas pelo prenome, ou por “você”, algo que sempre me causou dificuldade ao lidar com ele. Acabei sempre o chamando de “Professor”.

Descanse em paz, caro professor. Fico devendo a moqueca que combinamos fazer em sua casa em novembro, mas que adiamos porque tive que fazer uma viagem inesperada. E obrigado. Por tudo.

Matéria do jornal norueguês VG sobre a morte de Jon Bing. Tive a honra de estar em uma das várias ocasiões em que abriu sua residência para seus alunos e amigos.

Matéria do jornal norueguês VG sobre a morte de Jon Bing. Tive a honra de estar em uma das várias ocasiões em que abriu sua residência para seus alunos e amigos.

08/01/2014
por francis
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Notícias da Noruega

Notícias da Noruega: uma parlamentar, na última semana da gestão do governo passado, liga pra um ministro pra discutir a mudança do traçado de uma rodovia, a fim de que seja construído um túnel. Nada de mais, exceto o fato de que a obra custou um acréscimo de R$160 milhões e o traçado anterior passaria a 100m da propriedade da dita parlamentar.

Mas o que me surpreende não é o caso, em si. É forma responsável com a qual os políticos entrevistados na TV, principalmente os de partidos opostos à parlamentar, trataram do caso: não vi uma acusação rude, uma descortesia sequer, nem uma tentativa de capitalizar na desgraça alheia. Ao contrário: um excesso de cautela. Até a primeira-ministra (de partido oposto) disse que não tinha porque falar do assunto, já que não era da sua alçada investigar o caso.

Claro, se fosse no Brasil, já sabemos o espetáculo que viraria.

Cada vez entendo menos esse país, e fico sem saber que lição tirar do caso. Será que os noruegueses precisam ser mais desconfiados, ou será que nós brasileiros confundimos seriedade com oportunismo? De qualquer forma, no Brasil, qualquer indignação é bem-vinda. Já aqui, ainda não “saquei” o modus operandi do país: ou trataram da forma que trataram porque gostam de ver as coisas como são, sem mais, nem menos, sem os exageros do circo que é a política brasileira, ou porque, dando o benefício da dúvida à parlamentar, a mudança do traçado de fato pode ser benéfica para a população, ou porque talvez o fato de ser a corrupção algo menos frequente aqui, não há porque perder a compostura.

Mas que, tirando o perigo que é a falta de indignação em um ambiente em que precisamos tanto nos indignar, seria muito bom ver no Brasil a política e a coisa pública serem discutidas sem que qualquer coisa vire arma de guerra contra os inimigos políticos.

28/12/2013
por francis
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O Brasil e os impostos

Dizem que vivemos em uma democracia, em liberdade. Mas o Brasil às vezes se assemelha a uma ditadura qualquer. Vejamos:

O cidadão europeu que vai viajar a outro país dirige-se calmamente a um caixa eletrônico e escolhe a moeda que quer sacar, pagando apenas uma pequena taxa ao banco pela retirada.

O cidadão brasileiro tem que ir a uma casa de câmbio ou a um segundo andar de alguma agência central de um banco para “comprar” moeda estrangeira.

O cidadão que mora no exterior e quer enviar dinheiro pra alguma conta fora entra calmamente no seu internet banking e faz a transferência.

No Brasil, o cidadão tem que ir a um banco, tem que conversar com o gerente da sua agência, contar com funcionários preparados, preencher uns 2 formulários diferentes e anexar cópias comprovando que o motivo (sim, tem que dizer qual o motivo) da transferência de fato existe.

O cidadão europeu, pelas duas operações mencionadas acima, não paga imposto. O brasileiro, de cara, além do spread bancário e outras taxinhas, ainda tem que pagar 6,38%.

O cidadão dos países europeus, ao importar de países de fora da EU, paga normalmente alíquota zero para a importação, pagando apenas o valor do IVA, como se o produto fosse nacional.

Já os brasileiros, pagam Imposto de importação, ICMS, às vezes IPI (dependendo do tipo da importação) e ainda pagam 6% só por ter usado cartão de crédito para ter feito a compra.

Veja, antes que você diga que não entendo que o governo precisa de impostos (concordo), que é preciso aumentar a arrecadação para melhorar os serviços públicos (vai lá, pode ser), quero dizer que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: comprar coisas no exterior não é algo supérfluo ou de classe média. É estímulo à competição. É adquirir bens quase sempre sem similares nacionais. Fazer câmbio não significa ir pro exterior farrear – significa ir a trabalho, estudar ou, ainda, fazer turismo.

No Brasil, privilegia-se a tal indústria nacional sob a desculpa de proteger empregos (mas que vivem aproveitando para demitir na primeira chance), e qualquer desculpa para aumentar a arrecadação é válida.

Sugestão minha: coloquem o máximo de 25% de imposto sobre tudo o que vem do exterior e zerem o IOF. Vão arrecadar MUITO mais e, se a indústria brasileira tão acomodada valer mesmo a pena, vão se mexer.

O que não se pode é, num mundo globalizado, reduzir o cidadão brasileiro à vítima da burocracia tributária e criar todas as dificuldades para que sua população se internacionalize.

11/11/2013
por francis
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Tailândia II

Ok, eu me precipitei.

Escrevi três dias atrás sobre minha curta viagem à Tailândia.

Meu erro foi ter tentado reduzir um lugar tão rico e complexo às minhas primeiras impressões. Continuei a viajar um pouco mais por Phuket, e percebi que há de tudo aqui. Hoje descobri a minha mini-Itacaré aqui, e é pena que a viagem está chegando ao fim. Uma praia pequena, com uma vilazinha com bares e restaurantes, sem o choque que é Patong, sem a falta de praia que foi Friendship Beach, e sem o luxo da Laguna. Nai Yang é o que eu esperava de uma praia na Tailândia, e foi muito bom ter vindo pra cá.

Perto do aeroporto, a comida custa preços mínimos, as pessoas são igualmente gentis e atenciosas, e nada de neon, nada de multidão de vendedores – apenas uma praia gostosa com um pouco de vida à noite.

Ou seja, a Tailândia tem de tudo. É um lugar fantástico. Volto pra casa apaixonado por aqui, com vontade de voltar sempre. E o melhor da Tailândia continua sendo seu povo, embora suas praias, sua comida e seu atendimento conquistam qualquer um.

09/11/2013
por francis
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Tailândia

UPDATE: muito do que escrevi aqui foi precipitado. Escrevi um rápido post subsequente com uma atualização das minhas impressões sobre a Tailândia: http://mane.blog.br/2013/11/11/tailandia-ii/

O melhor da Tailândia são os tailandeses.
Sim, caro leitor, encontro-me no Reino de Sião, hoje Tailândia. Nunca imaginei que viria aqui, embora sempre tenha nutrido enorme curiosidade de visitar esse país. Meu desejo de vir a esse país começou ao conhecer uma estudante intercambista da Tailândia que viveu em Conquista por um ano. Desde então sempre considerei vir visitá-la. Mas foi um acaso a minha vinda, o que achei ótimo, já que surpreendentemente, as boas coisas da vida quase sempre são oriundas do acaso.
O lugar é lindo, e me lembra muito o Brasil. Gostei de Bangkok, gostei de Phuket.
Mas confesso que não foi a natureza que me impressionou na Tailândia, mas sim o povo que vive aqui. Povo extremamente atencioso, simpático e educado. Pra se ter uma idéia, inventei de dirigir aqui, e eles dirigem “à inglesa”, com volante do lado direito e tudo. Apesar das minhas prováveis barbeiragens, nenhum xingamento no trânsito, e muita paciência por parte dos tailandeses. Sempre sorriem, sempre solícitos.
Quanto a Phuket, tenho sentimentos mistos em relação ao local. Tome-se Patong, por exemplo. É como se estivéssemos em uma Itacaré ou Porto Seguro, porém mil vezes mais inflada e caótica. Isso retira um pouco do charme natural que o lugar tem. Isso e a prostituição escancarada, que é quase engraçada nos primeiros 10 minutos, com ofertas para shows chamados “Banana show”, “ping-pong show”, ou coisas do gênero (talvez o Google explique isso melhor do que o decoro do espaço permite… ;), mas que se torna irritante depois de certo tempo.
Sim, se você se irrita com vendedores nas praias do Brasil, Patong será ainda mais irritante. E os ambulantes tailandeses insistem muito. Mas é um povo incapaz de cometer uma grosseria.
Fui às ilhas Phi Phi, conhecidas por terem sido cenário do filme “A Praia”. São de tirar o fôlego. Mas é triste sentir que há tão pouco planejamento público nesses lugares. Ao se chegar em Phi Phi, praia que bom, nada – milhares de quiosques vendendo bugingangas, e, para ir a uma praia, só pagando outros barcos para te levar lá. E ninguém nunca te avisou disso. Por outro lado, tinha umas poucas praias próximas, mas apenas uma me pareceu aberta para banho, já que as outras servem como ancoradouro de dezenas de barcos que fazem o transporte da ilha. Ou seja: ao invés de usarem as praias como devem ser usadas, desperdiçam um patrimônio excelente e o tornam em imensa bagunça.
O trânsito é lento, com milhares de pequenos “scooters” e motos em todo canto, a ponto de se levar 2 horas para percorrer 30-40km. É outra pena.
Comparar com o Brasil é inevitável. Se por um lado as praias são paradisíacas, as estradas sem buracos, o povo maravilhoso e a segurança ser a norma, por outro lado no Brasil, pelo menos na Bahia, as praias ainda são acessíveis por todos, são de fácil acesso, e não há tantos obstáculos até chegar a elas. E as cidadezinhas no Brasil, tipo Itacaré ou Praia do Forte, se mal planejadas (caso da primeira) ou meio descaracterizadas pela “modernagem” (caso da segunda), ainda são tranquilas e sem a sensação de se estar em uma feira do Paraguai. Mas, em compensação, aqui a comida é muito boa, a sensação de segurança é onipresente, e não se sente que estão tentando tirar vantagem o tempo todo.
Confesso que essa viagem aqui me deu certo orgulho do Brasil – acho que somos um excelente destino turístico, até porque somos um povo que gostamos de praia (eu quase não vi tailandeses nas praias, não sei se por razões econômicas (duvido)). Acho mais fácil desestressar em Itacaré ou na Praia do Forte (Porto Seguro pode ser meio complicada), porque tem-se uma charmosa vila para curtir com tranquilidade à noite, e praias maravilhosas de dia. Mas se a Tailândia não me impressionou tanto pelas praias (talvez mais bonitas que as nossas), o lugar me conquistou pelo seu povo e sua leveza.
Se você já foi à Tailândia, por favor, me diga o que achou.

03/11/2013
por francis
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Petição (abaixo-assinado): Certificados eletrônicos no Mac!

Por coincidência, um post publicado aqui sobre minhas agruras enfrentadas ao tentar instalar certificados digitais no Mac se tornou o post mais acessado desse blog, com aproximadamente 2.000 visualizações por mês.

O problema é o seguinte: a Certisign, principal emissora de certificados, não tem oferecido suporte adequado aos usuários de Mac. Além disso, os Tribunais, ao implementarem seus serviços de peticionamento eletrônico, não o tornam compatíveis com outras plataformas, sendo quase sempre necessário usar Windows para acessar aos sistemas adequadamente. Não é preciso nem dizer que sistemas públicos não deveriam restringir o acesso a usuários de determinada plataforma.

Assim, por sugestão de um dos comentaristas do post citado, iniciei um abaixo assinado para que usuários de outras plataformas mostrem a cara e revelem à Certisign e ao CNJ que há um número enorme de cidadãos que estão enfrentando problemas porque não usam Windows.

O link para o abaixo assinado é esse aqui:

http://www.avaaz.org/po/petition/Certificado_eletronico_funcionando_bem_em_todas_as_plataformas/?copy

Por favor, assine e contribua para a democratização e ampliação ao acesso dos serviços públicos digitais.

22/09/2013
por francis
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Maratona de Oslo 2013 – o jubileu

Se essa maratona não tivesse sido tão especial por ser a décima que corri, eu teria muitas reclamações: meu tempo foi ruim, o percurso foi terrível (basta dizer que fomos forçados a repetir um trecho idêntico de 10km por três vezes!), e eu não respeitei a maratona como ela merece. Ou seja, não dediquei à prova o treinamento necessário. Maratona não é brinquedo. Correr uma prova sem o devido preparo significará tortura. Não importa quantas maratonas a pessoa já correu na vida – digo sempre que cada prova é única e não adianta contar com o “lastro” para terminar bem. O “lastro” que se adquire permite que você suporte melhor a corrida, que consiga terminar s prova, mas não vai nunca garantir que sua corrida vai ser mais fácil ou livre de dores ou, ainda, com melhora no tempo. Essas três coisas só um bom treino garante.

Pois bem, isso tudo pra dizer que a maratona de Oslo esse ano não foi das minhas melhores. Foi melhor que o desastre da minha prova em Madrid, mas foi a minha segunda pior prova em três anos. Nesse ano não consegui correr tão bem quanto em 2011 e 2012. Isso porque sozinho é ruim, porque aqui faz frio, etc.

A vontade que tenho agora é de parar de correr maratonas. É muito esforço. Mas sei que se algum amigo me convidar para uma prova, vai ser difícil resistir… 😉

Em todo o caso, valeram as 10 provas. Cada uma delas cheia de histórias. Cada uma representa algum momento particular da vida. Não foram apenas provas – foram marcos.

10 maratonas

14/09/2013
por francis
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Embargos o que? Parte II

Ao escrever o post anterior, eu queria ter dito uma outra coisa, mas não disse para não ficar enfadonho. Pois digo agora: causou-me estranheza aqui na Noruega tomar conhecimento que princípios não são considerados fonte de direito. Fonte de direito é um conceito jurídico, e significa quais fatores são capazes de criar regras jurídicas. Mas o que isso me chamou a atenção é que, se princípios garantem que as normas escritas cumpram fins maiores, por outro lado levam à uma incerteza do que se coaduna e do que contradiz tais princípios. Por isso, aqui, eles são pragmáticos, e preferem a certeza das leis.

Mas uma fonte de direito considerada de grande relevância são os trabalhos preparatórios das leis – os debates, as discussões, enfim, todo o processo legislativo que desaguou na nova norma. Afinal, assim se entende qual foi a vontade do legislador, representante do povo.

Pois bem: artigo de hoje do jornal O GLOBO diz justamente que o legislador expressamente rejeitou a exclusão dos embargos infringentes ao votar a lei que disciplina o processamento das ações de competência originária do STF (Lei 8.038/90), essa que os ministros Gilmar Dantas e Marco Aurélio de Mello insistem ter banido os tais embargos pelo silêncio. Ou seja: nunca foi da vontade do Congresso ter retirado esse recurso do ordenamento jurídico.

Mas como no Brasil nem sempre o pragmatismo impera, mas sim o oportunismo de ocasião, vão dizer que a vontade do legislador não importa, que o mais importante é um princípio maior de harmonia normativa, ou qualquer outra denominação pomposa de prateleira apenas para justificar um posicionamento…

13/09/2013
por francis
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Embargos o que?

Eu entendo a desconfiança que o brasileiro tem em relação a tudo. Somos roubados a todo momento – roubados por nossos políticos, por nossos empresários, por nossos governantes – até por ladrões somos roubados.

Reconheço a desconfiança que o cidadão teve em relação a ministros do STF que votaram de forma mais favorável aos réus no processo do mensalão – principalmente em relação a Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Este último, por ter um passado de serviços prestados ao governo lulista. O primeiro por, na visão de alguns, ter agido de forma proposital em defesa dos réus (sem fazerem o devido contraponto ao Joaquim Barbosa que, se adotada a mesma medida, teria escolhido o lado da acusação).

Por ser técnico do direito e portanto familiarizado com a dialética jurídica, em que toda questão costuma ter dois ângulos, dois lados e dois interesses, essa emotização de um processo judicial sempre me pareceu descabida. Não que eu ignore a sujeição que certos julgadores tem a ideologias, premissas ou interesses pessoais. Mas é que sinto ser um desserviço à evolução do direito a análise de um julgamento segundo o suposto interesse íntimo dos julgadores, quando o serviço deveria ser justamente a exposição dos argumentos jurídicos, a fim de que o confronto seja claramente exposto. Pouco me importa o motivo pelo qual um ministro decide A ou B. Importa-me, sim, as razões jurídicas da decisão. Acredito que, assim, as pessoas poderiam ter opiniões muito menos apaixonadas e mais responsáveis sobre processos judiciais.

(durante anos, ouvi de clientes que perderam alguma causa que o juiz provavelmente havia sido comprado, que servidor de cartório tinha sido comprado, etc… Isso quando não eram os próprios advogados contrários quem diziam essas coisas aos seus clientes quando uma causa era perdida.)

Mas o que me chama a atenção até aqui é que, na imprensa, só há (com exceções) espaço para os argumentos demagógicos ou políticos. Boa parte dos artigos da grande mídia elabora um sofisma altamente perigoso para a democracia brasileira e para a evolução do nosso sistema judiciário: esse sofisma consiste em vincular a aceitação dos recursos (embargos infringentes) a uma eventual desconsideração do STF à opinião pública, ou ao favorecimento da impunidade, ou mesmo (novamente) ao fato de estarem os ministros “comprados”. Ou seja: o STF, segundo esses articulistas, deveria ser uma espécie de coliseu e decidir ao sabor do grito da platéia, ou, no caso, das ruas.

O grito das ruas deve ser, sim, ouvido e respeitado pelo judiciário, não no mérito de suas decisões, mas nos meios. No respeito ao devido processo legal. Nos julgamentos céleres. Na boa fundamentação de suas decisões. O judiciário peitado pela comoção faz tudo, menos justiça.

Mas o que me incomodou mesmo, mais do que isso, é que no caso dos tais embargos infringentes, não vi quase uma linha sequer a respeito da questão técnica. Para os articulistas, a questão resume em aceitá-los e dar prova de desconexão do STF com a opinião pública, ou recusá-los e mostrar que são respeitáveis. Não há meio termo. Às favas com o direito, com as leis.

Algumas argumentações ultrapassam a boa-fé. Vi, no Facebook, alguém reclamar que os ministros foram nomeados por Lula. Mas, estranhamente, não vi a foto de Joaquim Barbosa na lista, como se não tivesse o “ministro-algoz” dos réus sido nomeado pelo mesmo Lula. Porque é fácil manipular os fatos sem buscar fazer uma análise desapaixonada das coisas. Na fogueira da revolta (sim, nem sempre é má-fé, estamos todos revoltados com a corrupção), as pessoas jogam quem estiver pela frente. Por exemplo: a ministra Rosa Weber votou no mesmo sentido de Joaquim Barbosa em quase todas as questões até agora (exceto pelo crime de formação de quadrilha). No entanto, ter votado contra, agora, a transforma em vilã. O mesmo será o caso do Min. Celso de Mello, caso vote pela aceitação dos tais recursos.

Às favas com o direito, repetem silenciosamente. O que se quer ver é condenação, ainda que dispensado o devido processo legal. As pessoas preferem, estranhamente, um tribunal que condene por ouvir a opinião pública, ainda que o direito seja violado, do que a aplicação correta das leis, ainda que isso signifique impunidade. Veja-se bem: eu não estou aqui afirmando que os embargos infringentes são ou não cabíveis. Mas diante da análise de todos, que não levam em conta o argumento jurídico, parece ser essa a escolha. E ela é mais que lamentável – é perigosa. Um judiciário sem independência ou serenidade significa que julgará as pessoas ao sabor do vento e não das leis. E uma opinião pública desinformada significará a enternização da desconexão que temos de nossas instituições. Como não as compreendemos, tentamos influenciá-las pelo grito. Mas nosso grito deveria ser por justiça, e não por condenação automática.

Engraçado: quando Breivik matou 77 pessoas, eu não vi protestos aqui para que ele fosse condenado à pena máxima. Ou que fosse morto. Ou que fosse linchado. Ou que fosse declarado inimputável. O que se pedia era justiça e que as leis fossem aplicadas com o rigor que devem ser aplicadas.

No Brasil, ninguém se pergunta quais são as leis. Pouco que se importa. As pessoas parecem preferir que, se forem favoráveis aos réus do mensalão, que sejam colocadas para debaixo do tapete. Não importam as leis. Faz sentido em um país em que temos uma relação tão ambígua com as leis: desconfiamos delas. Quando desconfiamos que foram feitas para proteger quem não merece, reclamamos delas. Quando poderosos não as cumprem, dizemos que ninguém as respeita.

Acho que nosso problema é encararmos a lei como barreira pra tudo, e não como pilar de uma sociedade civilizada. Portanto, preferimos o linchamento, o coliseu.

Vamos mal assim.

UPDATE (14.09.2013):  Felizmente, já surgem artigos que abordam a questão com menos paixão e demonstrando que a questão é, de fato, controversa. Na Folha de S. Paulo de hoje, dois artigos, um contra e um a favor à admissibilidade dos embargos infringentes. Além disso, teve esse outro aqui que achei interessante.

UPDATE 2 (14.09.2013): Escrevi outro post sobre o assunto, motivado pela descoberta de que os tais embargos não foram revogados de propósito.

23/07/2013
por francis
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Sobre ateus e crentes

(ou rápida reflexão sobre crença, sem maiores aprofundamentos)

Eu não conseguiria ser ateu, porque eu acho que a vida determinada por meras reações químicas me parece desprovida de sentido e, de alguma forma, o senso de moral artificialmente construído, sem uma justificativa externa, me soa difícil de entender (em princípio, porque exemplos tenho aos montes de que moral e crença nem sempre andam juntas). De certa forma, invejo os ateus que não precisam de um senso de moral externo para se portarem bem (embora não acredito que os crentes o façam apenas por temor).

Mas admitindo a existência de Deus, como eu admito (sim, sou refém da minha crença e do meu pessimismo), é aterrador que Ele, sendo Deus, pode ser tudo o que dizem dEle. Ora, se admito que Ele existe, admito que é uma força soberana e independente. Poderá ser tão bom que não se importa com todas as besteiras que fazemos aqui, ou pode ser que seja tão rígido como os fanáticos pregam.

Opções dadas, prefiro crer na primeira versão de Deus porque, já que preciso crer para ter sentido na vida, que pelo menos seja esse um bom sentido… 🙂