12/07/2013
por francis
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Imigração e integração

inclusao

Uma hora dessas vou estudar com vontade a história da imigração no Brasil, a ver se aprendo o que aconteceu para que a presença de povos tão diferentes não tenha gerado uma sociedade dividida entre castas raciais ou religiosas (noves fora a recente e isolada delinquência contra bolivianos em São Paulo).

Digo isso porque li algo no Aftenposten, jornal aqui da Noruega, sobre um casal de curdos que se sente perseguido por não adotar as práticas islâmicas. Ou seja, fugiram do Irã por causa do Estado Religioso, e agora são vítimas de bullying nesse outro país por parte de muçulmanos mais radicais. Conta o artigo que uma senhora cuspiu na iraniana após ter se recusado a vestir suas filhas de forma mais, digamos, condizente com os preceitos muçulmanos.

Eu sempre me pergunto porque um país desenvolvido tem tanta dificuldade de resolver questões como essas. Não é que eu seja ingênuo ao ponto de achar que no Brasil essa integração foi sempre uma maravilha. Não. Sei que turcos (na verdade libaneses), mesmo cristãos, foram vítimas de preconceito na Bahia, ao ponto de, infelizmente, quase não falarem mais seus idiomas ancestrais no Brasil. Sei que os japoneses também foram vítimas de perseguição, inclusive em razão da II Guerra Mundial. Sei que a herança escravocrata gerou um fosso de integração. Mas talvez essa noção do  “homem cordial” explique a razão para que o conflito com estrangeiros não seja marcante em nossa sociedade.

Ou talvez a miséria e as duras condições de fazer a vida na America do Sul tenham sempre sido problemas principais a lidar e que provavelmente preenchia nosso dia-a-dia, não nos dando tempo para alimentar luxos de segregação – sei lá.

É que aqui na Noruega vejo dois lados que parecem sintoma de uma certa esquizofrenia: de um lado, há um país disposto a adotar valores de tolerância, de pluralidade, com respeito às origens de cada um, aceitando e incentivando essa diversidade. Aqui, por exemplo, crianças têm aulas em seu idioma natal. Por outro lado, há um país que não se deixa integrar. Tudo o que é estrangeiro parece um tanto quanto exótico demais, barulhento demais, diferente demais. Não sei se o norueguês típico é exatamente bairrista, mas com certeza gosta muito de tudo o que seja tipicamente norueguês. Costumo brincar com meus amigos noruegueses que nunca entendi porque os Vikings, tendo viajado meio mundo, sempre voltaram pra cá (bom, alguns ficaram na Normandia…). É um pais lindo, claro. Mas caramba, que frio que faz aqui! 🙂

É claro que a comparação com o Brasil é complicada, porque já deixamos de receber imigrantes faz tempo, e estamos agora a fazê-lo. Mas sinto que será diferente. Sinto que nossa velha crença de que “coração de mãe sempre cabe mais um” sempre nos distinguirá como um país acolhedor. Mas sei também que somos briosos, do tipo “somos assim, aceite se quiser”. Acho que há uma certa Lei do Imigrante no Brasil que diz que, para viver nesse país, todos são bem-vindos, contanto que aceitem que aqui (lá) sempre se perderá algo do que se é para se tornar brasileiro – com todas as maravilhas e desgraças que isso significa.

06/07/2013
por francis
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Dilma e FHC: é tudo questão de boa vontade

Há algo na política brasileira que me parece tão ruim quanto a corrupção, quanto a incompetência, enfim, quanto à irresponsabilidade dos tais representantes do povo: a falta de diálogo honesto.
Explico através de um exemplo: a nossa presidenta, ao propor uma reforma política, teria enviado um emissário ao FHC para sondá-lo sobre a proposta. Depois todo mundo começou a descer lenha na Excelentíssima Senhora, por várias razões: que a medida seria juridicamente incorreta, que a reforma política não resolveria nada, que não era isso que o povo tava pedindo, que as questões seriam complexas demais, que seria demagogia, etc. Todo mundo, até o próprio FHC.
Eu, otimista em relação às pessoas talvez por um vício de ingenuidade (ou, como diria o sabichão Gilmar Mendes, por ser muito “naífico” de minha parte), acredito que a presidenta foi bem intencionada. Sim, o que as ruas estão pedindo pode requerer ou ruptura ou consenso. Ela buscou diálogo, e talvez terá sido vítima das próprias boas intenções. Agora nenhuma das vozes que se levantou para criticá-la apontou caminho algum.
Acho mais: acho que a presidenta tentou e tenta, corretamente, ao meu ver, utilizar o clamor popular como catalisador de reformas que são impossíveis em governos de coalisão. Daí tanta resistência e maledicência.
O que acho incorreto é que o tal traíra, digo, ex-presidente FHC, venha criticar as propostas (como se não tivesse nunca apresentado proposta semelhante), sem reservar um pingo de boa vontade a alguém que teve o gesto de buscar diálogo. A boa vontade poderia ser do tipo “olha, não concordo com isso que ela está a propor, mas acho louvável que busque ouvir diferentes setores”. Nem isso se ouviu dele. Mas Dilma, com seu gesto republicano, é queimada em praça pública. E o tal “príncipe” ouvido como autoridade. Porque em política não se dá asa a cobra, deve ter pensado o tal “estadista”. FHC só elogia Dilma quando esta lhe faz algum afago.
Você, leitor cético que simpatiza com o PSDB, poderá até dizer que ela buscou ouvir FHC com segundas intenções, como, por exemplo, legitimar uma eventual barbeiragem. Mas ainda isso seria legítimo e desejável – ou o PSDB diz o que quer e acha correto ser feito, ou então assume que não tem o que dizer, que prefere o “quanto pior, melhor”. Não seria melhor se os partidos começassem a dialogar sobre o que realmente pensam ser o melhor para o país (não aquele diálogo da barganha nas votações do congresso, bem entendido)?
Gostaria que no nosso país as pessoas tivessem menos senso de preservação política e mais vontade de governar direito, de ouvir todo mundo. Mas quando até Renan Calheiros tenta sair de bonzinho, percebe-se que a política que interessa ao eleitorado só é feita quando o público parece estar assistindo.
Isso noves-fora a mania do brasileiro de só respeitar bacharel (não é a toa que advogado é tratado por “doutor”). A Dilma apresenta uma proposta de constituinte restrita, e descem o malho nela porque constituinte não poderia ser restrita – como se esse tecnicismo só conhecido por bacharéis de direito fosse mais importante do que o que foi realmente proposto: uma reforma política feita não pelos atuais representantes, devido à contaminação da tal reforma com o corporativismo e o fisiologismo, como se essa idéia não fosse interessante. Focam-se em um preciosismo jurídico absolutamente irrelevante.
Esse mis en scene dos políticos dá nojo.
Não digo que acho que o governo agiu corretamente quanto à catarse coletiva das últimas semanas. Está colhendo o que plantou por ter deixado de ser um governo popular, conectado com as bases e com a militância – muito embora duvido que teria sido eleito se tivesse se apresentado como governo popular, vide a tal Carta aos Brasileiros, vide as coligações, vide a tal peemedebização. Se o PT tivesse sido PT desde sempre, nunca teria sido eleito.
Mas brasileiro gosta é de político cheiroso, que fala francês. Se o PT não tivesse usado Hugo Boss (ou bebido Romanée-Conti), talvez isso que acontece agora não teria acontecido. Mas talvez o PT não estaria no governo se não tivesse tomado banho de loja. Porque Romanée-Conti ou Hugo Boss só quem pode usar sem ninguém se incomodar é o PSDB.

20/06/2013
por francis
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O gigante acordou… e agora?

O Brasil parece viver uma catarse coletiva. Acordamos. É bom que seja assim. É bom que as pessoas resolvam fazer os governantes sentirem medo. Acho que ninguém perde por isso.

Mas e agora? Nem vou me atrever a dar palpite no que causou isso e pra onde vai o movimento, quando nem mesmo grandes e experientes cientistas políticos conseguiram ainda entender isso tudo.

Eu penso da seguinte forma: a fase de “não temos uma causa específica”, ou “não nos faltam causas” vai acabar. Não me entenda mal: eu concordo com essas frases, e concordo com a saída às ruas, com a mobilização social. Tudo é melhor que a apatia.

Mas isso não servirá a médio-longo prazo. Isso tem o risco de despolitizar, de não criar uma consciência coletiva responsável. E pode ter resultados desastrosos.

Por exemplo: vi que uma das propostas veiculadas supostamente pelo Annonymous pedia a punição da corrupção como crime hediondo. A proposta, bem-intencionada, não resiste a pequenas indagações: qual corrupção? Passiva? Ativa? Peculato? Falsidade ideológica? Prevaricação? Enfim, será que um deputado que desvia milhões deve ter a mesma punição de um servidor público de um cartório que cobra uns R$10,00 para agilizar um documento rapidinho? Claro, as duas condutas são reprováveis, mas igualá-las abriria uma porta para virarmos um desses países fundamentalistas do Oriente Médio. Daí pra cortar a mão de ladrão em praça pública é um pulo.

Vi que as pessoas concordam muito nas causas genéricas, mas começam a discordar quando são mais pragmáticas. Por exemplo: o projeto conhecido por “cura gay”. Basta ir aos detalhes que as pessoas se dividem. É verdade que o movimento começou e ganhou força com uma causa específica e clara: redução em 20 centavos na passagem do ônibus, o que contradiz o que eu acabo de dizer. Mas convenhamos que é difícil ser contra redução de tarifa, não?

Portanto, penso que é preciso ter causas, sim, mas causas responsáveis.

Além de causas, penso que a única forma de manter a mobilização passa por duas pequenas mudanças de atitude:

A primeira, é começar a fazer parte da discussão política. Filiar-se a um partido político é uma forma de se manter engajado, de aprender a construção de idéias e a defender pontos de vistas. Mas é claro que tem pessoas que preferem engajar-se fora das instituições (principalmente os mais à esquerda). Portanto, que o engajamento também se dê nos movimentos sociais. É importante ver que o Movimento do Passe Livre conquistou respeito por seu discurso coerente, sério e depurado com anos de luta.

É claro que esse aprendizado traz o risco da acomodação ao status quo, que acredito que foi o que aconteceu ao PT, tanto tempo no poder. Mas é necessário conhecer política pública, modelos de governança, e, por que não, pontos de vista ideológicos.

O segundo, mais transcedental, me foi apontado por dois amigos no Facebook (você, carioca sangue-bom, e você, pernambucana arretada) durante as discussões sobre o protesto: a mudança de postura diante das más-práticas. A mudança de si mesmo. O abandono do jeitinho. A opção pela conduta ética diária. A visão clara de que as coisas devem funcionar bem pra todos, e não como resultado de um jeitinho individualista (propinas, agrados, “quem-indica”, etc.).

Que nossa catarse continue, mas que as mudanças que estamos propondo venham pra ficar, e que nos orgulhemos não de um dia termos acordado, mas sim de que passamos a construir nosso destino nós mesmos, com nossa participação ativa no cenário político.

UPDATE: sempre bom ler o blog do Dr. Ruy Medeiros (a quem não sou digno de chamar de tio… 😉 ). Ele fez uma advertência importante nos últimos parágrafos de um post em seu blog.

18/06/2013
por francis
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O fascismo disfarçado de defesa da lei e da ordem

O brasileiro é um povo contraditório, para dizer o mínimo. Um dia vi um vídeo em que Lobão dizia que o brasileiro exaltava tudo o que é brejeiro, delicado, apesar de ser um dos povos mais violentos do mundo. Claro, Lobão já produziu muitas diatribes, mas essa é uma que não posso deixar de concordar.

Quando o resto do mundo se engaja em alguma manifestação, algum patrimônio acaba sendo degradado. Só se consegue assustar os governos quando se ameaça romper a ordem. É assim que as coisas tendem a funcionar.

Mas, para que não se diga que estou aqui a defender a depredação do patrimônio público ou privado, deixa eu explicar onde quero chegar:
O brasileiro tolera tudo. Tolera a destruição ou subtração do patrimônio privado, principalmente de quem não vive em condomínio fechado, nem tem carro blindado, nem segurança. O brasileiro tolera a destruição da vida, que ocorre todos os dias com nosso sistema de saúde precário, nossas estradas vergonhosas, nossa criminalidade assustadora.

Mas o que o brasileiro reacionário não tolera é a destruição do patrimônio feita por manifestantes. Nessa hora, uma bafejar de fascismo cai sobre todos. “É preciso defender a ordem”, dizem. É como se as pessoas que protestam devessem aceitar caladas e domesticadas toda sorte de mazelas que se sofre todo o dia. E é provável que essa opinião tacanha vem sempre de alguém que não precisa de ônibus, que tem algum conforto, que não utiliza serviços públicos, etc.

Algumas pessoas não compreendem que essa destruição vem de um represamento de frustração resultante de uma sociedade excludente e que já não oferece mais possibilidades de realização pessoal. A destruição vem da revolta contra um sistema que só funciona para alguns. E fica fácil rotular qualquer destruição como “vandalismo”.

Mas a pior e a mais vergonhosa manifestação desse fascismo acontece quando esses excessos de manifestação (que, vamos e venhamos, nem são tão excessivos assim – na França, como já bem repisado na internet, foram 300 carros queimados. Outros tantos em Estocolmo. No Brasil foram quantos mesmo, noves fora a viatura da polícia quebrada… pela própria polícia?) passam a merecer, segundo essas pessoas, a enérgica reação da polícia, como se a integridade física das pessoas fosse um direito comparável à integridade patrimonial. Como se o direito à vida fosse menor em razão da propriedade. Assim, um pequeno excesso passa a justificar gás lacrimogênio, bala de borracha, tortura, agressão e o diabo a quatro.

Somos o perfeito “homem cordial”. A casa tá caindo, o país voltando a priorizar quem tem em detrimento de quem não tem, as pessoas perdendo o direito de se manifestar, mas o que as pessoas conseguem enxergar é só um “ah, mas estão destruindo o patrimônio público.”

Chega isso de querer domesticar quem vive sendo colocado debaixo do tapete nesse país!

E ainda vêm dizer “tem excesso de lado a lado”! É espantoso isso. Primeiro, porque ignora-se que a polícia tem a obrigação de não ser excessiva, porque se espera, ou melhor, se exige, que esteja preparada. Não é que o cidadão tenha direito de ser violento. Mas a polícia tem o dever de não ser violenta. Segundo, porque claramente se vê que o tal “excesso” da polícia está sendo completamente desproporcional. E, por último, as pessoas parecem tão acostumadas a justificar os excessos da polícia (porque sempre é contra pobre, sempre contra bandido, sempre contra alguém que não é você ou eu) que se alienam completamente da noção de estado democrático de direito, dos valores de uma democracia, de que optamos, ainda que apenas no papel, por ser civilizados, por não usar o poder estatal para a violência, etc.

Mas claro, o pensamento tipo TFP tem horror a protesto, tem horror à indignação. E aí um eventual dano ao patrimônio público causa a hipócrita indignação, eis que esse nojinho pela destruição do patrimônio público não costuma causar tanto furor quando é feita dentro da ordem e da lei… E como se o dano ao patrimônio privado (pichações, vidros quebrados) não pudesse ser suportado em nome de uma causa justa e maior.

Ou aprendemos que as mudanças não vem com flores, e que é preciso indignação constante e medo de quem governa, ou nossa eterna cordialidade vai permitir que viremos uma sociedade facista, mera caricatura de democracia.

P.S. Repito – não que eu creia que tenha havido tanto excesso assim por parte dos manifestantes. Mas como parece que o único argumento contra as manifestações tem sido esse…

ATUALIZAÇÃO: Esse post provavelmente foi o mais acessado em curto espaço de tempo na história desse blog. Muito obrigado! Acho que, pela reação no Facebook, parece que muita gente concorda que, em uma sociedade tão desigual, não se pode esperar que o parto de uma mudança não seja doloroso.

13/06/2013
por francis
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Toda unanimidade é burra

Li no blog do meu amigo Esaú Mendes que a Câmara Municipal de Vitória da Conquista promoveu uma moção de aplauso ao Pr. Silas Malafaia. E mais: que tal moção de aplauso foi unânime. E isso é preocupante.

Vamos esquecer por um minuto a laicidade (ou laicismo) do estado. A questão é outra. A questão é a falta de pluralismo do nosso órgão legislativo. O bonito de um Estado Democrático é quando pólos diferentes servem como freio aos excessos de cada um desses pólos. Quando uma personalidade polêmica como o Pr. Silas Malafaia ganha o aplauso unânime dos nossos edis, em um contexto de uma tensão com movimentos homossexuais, é de se preocupar. Não que as posições do pastor sejam necessariamente ruins (apesar de protestante, discordo da conduta do líder religioso, que semeia a discórdia mais do que a concórdia). Preocupa-me o fato de que parcela expressiva da sociedade, que muito provavelmente discordaria e discorda do Pastor, não se faz representar na Câmara de Vereadores. E isso é sintomático por dois motivos: primeiro, porque demonstra que o sistema representativo está longe de ser… representativo. Segundo, demonstra que a Câmara de Vereadores não busca uma sintonia com a sociedade como um todo.

Na verdade, nosso sistema de representação municipal é muito falho. É mais um produto do fisiologismo político do que de uma representação da cidadania. Cada vereador tem seu padrinho, cada assessor busca ascender à câmara um dia.Até aí, nada de novo. Porém, essa unanimidade da Câmara quase sempre significa colocar os interesses partidários e eleitoreiros à frente dos interesses da população. E isso não é de hoje: naquela ocasião, os então vereadores, mesmo discursando contra a instalação do Centro Cultural do Banco do Nordeste na Praça Sá Barreto, votaram a favor da doação do terreno da praça. Os vereadores preferem ficar bem na foto do que assumirem posições impopulares, o que é algo provinciano e nada republicano.

Na Austrália, vários deputados não conseguiram se reeleger porque votaram a favor da proibição do porte de armas naquele país. Alguns anos depois, os índices de homicídios com armas caiu drasticamente, bem como caiu também a criminalidade.

Sinceramente? Admiro muito mais um político que defenda algo por coerência e por princípio do que para fazer imagem de bom moço.

Voltando ao Malafaia: é preocupante que uma Câmara de Vereadores, em um estado que se supõe laico, apoie um pastor que realizou manifestação “pela família tradicional”. Se aulas de Belarmino, Cacá e Abigail não me falham agora, a última vez que manifestações pela “família” aconteceram, só voltamos a ser uma democracia 20 anos depois.

Eu não estou aqui dizendo que o movimento homossexual esteja isento de agendas que não se confundem com as liberdades civis. Longe disso. Mas a luta por um estado laico é de todos os cidadãos. A falta do pluralismo político de nossos representantes municipais é preocupante porque demonstra um apoio irrestrito a posições longe de unânimes. Casamento gay e aborto estão longe de ser unânimes. E é pena que a Câmara de Vitória da Conquista, teoricamente representante de 300.000 pessoas, não tenha uma voz divergente, salvo quando o assunto é “oposição x situação”. E é de se lamentar mais ainda que, sendo unânime, escolheu a posição mais conservadora e menos compatível com o estado laico.

Infelizmente, os vereadores de Conquista perderam a chance de defender o estado laico, os direitos das minorias e o pluralismo de idéias, preferindo a conivência com o discurso intolerante e demagógico. Nossa Câmara já foi melhor do que isso.

 

13/05/2013
por francis
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Apple e obsolência planejada (ou como instalar o Mountain Lion em um Mac Pro)

Alguns dias atrás, fiquei feliz por ter percebido que, ao apagar tudo o que tinha no iPad, este voltou a ter quase a mesma performance de quando o adquiri, há três anos atrás. Eu não compraria um novo agora, mas queria continuar a usá-lo como sempre usei, e isso era quase impraticável, pois já que o aparelho estava muito lento e não funcionando direito.

Infelizmente, nem tudo são flores.

Coloquei minhas mãos nessa semana no único modelo de Mac que eu nunca tive desde que comecei a usar Macs: um Mac Pro. Não, não fiquei rico de repente. O namorado de uma amiga estava doando o dito cujo, pois comprou um novo (aqui é muito comum isso, já que o valor de usado cai muito). Sim, é uma máquina de 2008, mas com dois processadores de 3Ghz, 12gb de memória, etc. Ou seja: muito mais potente que meu notebook. Perfeita máquina para deixar no escritório na faculdade.

Mas a dona Apple excluiu esse modelo da lista de máquinas compatíveis com o OS X 10.8 (Mountain Lion), mesmo ele sendo mais veloz do que parte das máquinas vendidas hoje! Acho um absurdo que uma máquina cuja performance é excelente ser deixada de lado não por critérios técnicos, mas de mercado.

Felizmente boas almas desenvolveram um programinha, chamado MLPostfactor, que permite instalar o Mountain Lion em Mac Pro ou outros Macs que ainda dão no couro. Instalei e, apesar de uma ou outra coisinha pequena que não funciona, tudo está rodando muito bem, e com uma performance excelente!

A máquina é super parruda, e é pena que a Apple não a promove tanto. Há usuários que adorariam um Mac nos quais poderiam mexer, instalar vários HDs, placas adicionais, etc., e o Mac Pro é o computador “customizável” mais elegante que já vi. Instalar um HD é facílimo, e nem precisa mexer em cabos nem nada.

Pronto, agora posso dizer que já tive todos os modelos de Mac desde que me iniciei no mundo da Maçã. 🙂

04/05/2013
por francis
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Maratona de Madrid

Eu sempre encarei a corrida como um esporte solitário. Correr é algo um tanto introspectivo: é um esforço individual em que sua mente, suas pernas e seu treinamento lhe conduzem pisada após pisada. Durante a corrida, os fatores externos costumam ter menor importância.

Mas confesso que encarar a corrida como um retiro de isolamento já é tão automático que os tais fatores externos começam a fazer falta, e com eles vêm algo que estava perdendo como corredor: a alegria ao correr. Essa alegria vem da endorfina, mas vem também de correr com amigos, de ver gente na rua, de ter um dia bonito como cenário.

Aqui na Noruega já andava perdendo o gosto pela corrida, confesso. Meus amigos que corriam comigo no Brasil aqui não estão, e, sem eles, correr não é tão divertido. Esse inverno foi tenebroso, o que não ajudava: correr com medo de escorregar no gelo (isso quando se tem coragem de sair de casa a -2 graus, meu limite para correr na rua) ou com o céu parecendo que está com raiva dos humanos não é decididamente divertido.

Assim, essa maratona tinha tudo para ser um fiasco. Fazê-la seria apenas cumprir tabela, já que este é o quinto ano em que tento correr 2 maratonas por ano. No entanto, havia um motivo especial: dois dos meus amigos corredores viriam à Europa para essa corrida. Dane-se o mau treino, dane-se ter comido feito um louco uma semana antes em conferências e hotéis, dane-se estar resfriado – correr com amigos é o que faz desse esporte individual (que ironia!) o mais natural dos esportes. Na verdade, no livro “Born to Run”, uma das explicações do autor a respeito de tribos mexicanas (Tarahumara) que adotam a corrida como hábito de vida é justamente a “solidariedade” com que correm – o respeito pelos companheiros, a ajuda mútua e preocupação com cada parceiro de corrida, etc. Enfim, não sei se essa explicação faz o sentido biológico que o autor do livro pretende emprestá-la, mas devo dizer que há algo especial na amizade de quem corre junto.

De sorte que deixei o frio nórdico para encarar… o frio ibérico e lá correr. Não dei sorte, pois o tempo estava horrível. Azar meu, que pensei que nessa escapulida poderia pelo menos recarregar a vitamina D e apressar a chegada do verão (ou pelo menos tomar um atalho para sentir um calorzinho). Chovia em Madrid, e o tempo estava horroroso. Mas foi muito bom escutar uma língua latina, falar português por 3 dias, ver meus amigos, “resenhar” (em linguagem conquistense, bem entendido) e completar minha nona maratona, que tinha tudo para repetir o fiasco da segunda, em Curitiba.

Terminei em 3:27 e alguns quebrados, curiosamente o meu quinto pior ou melhor tempo, bem atrás de Paulo e Marcelo, que fecharam em 3:12 e 3:14. Ainda detenho o recorde do grupo, o que é um consolo meio agridoce, já que quem vive de passado… 😉

Mas agora vem o verão, e vou me preparar melhor para a próxima (maratona de Oslo em setembro). Mas, ainda que faça um tempo melhor, não será a mesma coisa correr sem os pedinhas.

Paulo, Marcelo e Francis

Paulo, Marcelo e Francis

24/04/2013
por francis
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Artigo publicado

Anuncio aqui a publicação do meu artigo “O .com é internacional? O gTLD .com: uma análise de seu caráter global sob o prisma da jurisdição.” (original em inglês aqui). Foi publicado dia 22 de abril no International Journal of Law and Information Technology, editado pela Oxford University Press.

Eis aqui uma tradução do resumo (abstract) do artigo:

“Há uma percepção de que os domínios .com são internacionais. Porém, o que significa um nome de domínio internacional? E como são abordados os conflitos concernentes a domínios do tipo .com ao redor de uma miríade de diferentes jurisdições? Esse artigo analisa o quadro regulador do domínio .com e visa descrever como e se as decisões de diferentes jurisdições são cumpridas quando o objeto central de um litígio é um domínio .com.”

 

16/04/2013
por francis
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A redução da maioridade penal, e como somos desgraçados

A desgraça maior do Brasil é a nossa falta de confiança em nossas instituições, que não se dão mesmo a confiar. Aliás, instituições, se não são confiáveis, não servem mesmo para muita coisa. A sociedade precisa de instituições estáveis a fim de que haja um sentimento de justiça.

Nós não vamos confiar jamais em nossas instituições. Não participamos da escolha de boa parte dos seus ocupantes (não de forma direta), não nos envolvemos com elas e, pior, não nos identificamos com ela. Assim, outorgamos às instituições um cheque em branco e, quando não correspondem às nossas expectativas, esquecemos da nossa própria responsabilidade.

Eu quero falar da questão da redução da maioridade penal. Há um movimento pernicioso buscando reduzir a maioridade penal para 16 anos, sob o cínico argumento de que menores de 18 e maiores de 16 já teriam capacidade para entender seus atos.

Antes de entrar no tema diretamente, vou relatar uma experiência que, ao meu ver, demonstra como nossa chocante falta de fé nas nossas instituições molda nosso raciocínio e, infelizmente, nos estraga, nos faz perder a vontade de lutar por melhores governos, melhores quadros na administração pública, etc.

Eu vim morar na Noruega apenas menos de um mês após o ataque terrorista perpetrado em Oslo no dia 22 de julho de 2011. Embora eu sempre tenha sido, por convicção, a favor da aplicação dos direitos e garantias de qualquer réu, me chamava a atenção que o acusado tinha liberdades processuais que são estranhas no Brasil: podia ele próprio fazer apartes, protestar, fazer suas alegações finais – tudo aquilo que praticamente inexiste no direito processual penal brasileiro. Eu me perguntava: “gente, não será demais não? Ele matou 77 pessoas, e ainda é tratado com tanta civilidade?”. Eu confesso, com alguma vergonha, que cheguei a desejar que ele fosse julgado no Brasil, onde provavelmente teria sido morto por algum justiceiro que diria  “Direitos humanos são para humanos direitos” ou outros motes típicos.

Caí na besteira de discutir essa opinião minha – incompatível com meus próprios valores – com outros noruegueses. A morte de 77 pessoas (a maioria adolescentes), e a possibilidade de uma pena máxima de 20 anos me revoltavam. Surpreendentemente, quase todos os noruegueses estranhavam que eu, ainda mais sendo advogado, poderia defender coisas tão retrógradas. Quase todos os noruegueses entrevistados diziam que confiavam em seu sistema jurídico, em suas instituições, e era importante não abrir exceções. Ou seja: que vingança não faz parte de uma sociedade civilizada, ainda que traumatizada por essa violência.

Alguns meses depois, fui a uma conferência sobre acesso à justiça. O palestrante foi justamente o advogado do terrorista, Geir Lippestad. Ele falou algo que me impressionou (aqui narrado possivelmente com algumas imprecisões, já que o evento tem algum tempo e foi em norueguês): disse que, ao chamar um taxi, o motorista, de origem estrangeira, o reconheceu e perguntou se ele era realmente o advogado do célebre julgamento. Ele, com certo receio, respondeu que sim. O motorista do taxi o parabenizou pelo bom trabalho, e é importante que as instituições funcionem.

Isso me causou uma comoção, porque perdemos completamente a fé nas instituições e, tal como uma mosca presa em uma garrafa, vivemos a nos bater procurando soluções casuísticas para tudo, quando nosso problema é simplesmente a falência das instituições. Queremos respostas fáceis que não impliquem em sacrifícios.

Vejamos o caso da maioridade penal: segundo um relatório da Unicef (encontrado aqui: http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Diversos/estudo_idade_penal_completo.pdf), quase nenhum país civilizado impõe a responsabilidade penal a menores de 18 anos. As exceções são Reino Unido, Estados Unidos e Rússia. Os Estados Unidos, segundo o relatório, estão tendo altos índices de reincidência justamente por causa dessa política.

Ou seja: o cinismo está justamente em uma suposta abstração do debate, em uma alegada distinção entre causas sociais do crime e livre compreensão da atitude criminosa, como se esta última estivesse presente em jovens de 16 e 17 anos.

A grande questão é que, se crimes contra a vida praticados por menores são a minoria no Brasil e virtualmente inexistentes em países mais civilizados, o que se pode concluir? Que nossos jovens são inevitavelmente mais perversos do que os do resto do mundo, ou que a sociedade falha enormemente com o seu dever de proporcionar uma existência digna que lhes permita melhores escolhas?

A resposta cínica, racista, preconceituosa e revanchista é a de que os jovens brasileiros são mais perversos do que os do resto do planeta. É como se pegássemos os meninos africanos recrutados (frequentemente à força) para formarem exércitos ou milícias e, após os crimes cometidos, disséssemos que foram responsáveis por isso. O cinismo do argumento, amparado em uma suposta ânsia por justiça, é nada menos do que o sentimento de vingança com doses cavalares de omissão. Onde está o desejo de justiça diante do tratamento de presos como animais? Onde está o desejo de justiça diante da perspectiva de entregarem adolescentes ao caminho da reincidência? Onde está o desejo de justiça ao se verificar que 40% das vítimas de homicídio são justamente menores de 18 anos (segundo o relatório mencionado)?

Quem advoga pela redução da maioridade penal deveria, assim, pedir a revogação do ECA também, já que este importante código tem por objetivo proteger e ressocializar jovens infratores. Que adolescentes não tenham mais proteção do Estado, já que nos declaramos incapazes de fazê-lo e preferimos agora exterminá-los. Já não basta roubá-los de uma vida digna e das oportunidades de desenvolvimento completo – agora vamos alijá-los também de direitos.

Não confiamos em nossas leis – ainda que os crimes tenham punição maior que no resto do mundo. Não confiamos nos nossos centros de ressocialização. Não confiamos em nossas penitenciárias como locais de regeneração. Claro, no desespero de nosso fracasso, queremos a saída fácil que é a edição de lei. Mesmo sabendo que isso significará entregar adolescentes de vez para o crime. Mas isso não é o pior: o pior é admitir que o tal jeitinho brasileiro – o de escolher saídas fáceis para que não se enfrentem questões sérias – substituirá todo o esforço legal construído para que sejamos, ainda que só no papel, um país civilizado.

Por último, outro argumento um tanto quanto frequente, já que quase sempre formulado com base no senso comum, infelizmente ainda informa o debate: dizem os defensores da redução da maioridade penal que, se o problema é social, por que então punir maiores de 18? É claro que esse argumento é falacioso, mas a falácia, reconheço, nem sempre é fácil de se mostrar justamente porque envolve questões de política criminal e de criminologia. Embora não sendo especialista em direito penal, é fácil perceber que a pena serve também para apaziguar a sociedade. Ela não é apenas para punir o criminoso, mas é voltada para garantir, também, a pacificação social. É nesse contexto que se compreende a punição do criminoso, além do fato de que, espera-se, o adulto já terá tido ocasião de perceber com maior rigor a qualidade de suas escolhas. Já o menor de 18 anos nem sempre terá a mesma condição. É óbvio que existem menores de 18 anos que têm discernimento necessário, mas o princípio da legalidade impede que se estabeleçam penas de acordo com a cara do freguês. Daí o estabelecimento do limite.

No nosso desespero pela desgraça que construímos para nós mesmos, morre a cada dia a esperança de que nossas instituições funcionem bem, e cresce nossa sede de vingança.

P.S. – Para quem quiser ler mais sobre o assunto, recomendo: http://armabranca.blogspot.com.br/2012/12/reducao-da-maioridade-penal-para.html

18/03/2013
por francis
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A internacionalização do Brasil

Em um artigo publicado na Folha de São Paulo em 24/02, Marta Suplicy fala do “soft power” que o Brasil começou a exercer na política externa, e sugere a criação de uma entidade nos moldes do Goethe Institute, Alliançe Française, Instituto Camões, etc., para promoção da cultura brasileira (e do nosso idioma) no exterior.

Acho que esse seria um passo importante. Várias pessoas ao redor do mundo têm vontade de conhecer mais sobre o Brasil, de aprender a língua, ou de manter contato com a “brasilidade” que conheceram em alguma viagem ao país.

Hoje, a promoção do Brasil no exterior é feita quase sempre por associações de brasileiros no exterior ou mesmo por iniciativas individuais (e heróicas) de brasileiros que têm prazer nessa empreitada. Claro que às vezes essas iniciativas têm apoio oficial do governo, diretamente ou via representações diplomáticas. Mas seria muito melhor se fosse estabelecida uma política firme e permanente de promoção do idioma e cultura no exterior, nos moldes das instituições citadas no início. Demanda não falta. Em toda grande cidade européia, por exemplo, há dezenas de pessoas empenhadas em aprender português.

As exibições culturais de arte brasileira têm público cativo – quer de brasileiros emigrados, quer de estrangeiros. Fazer disso um empreendimento viável economicamente pode ser desafiador, mas longe de impossível. De qualquer maneira, o ganho em “soft power” seria incalculável.